Os robôs vão tirar-nos os empregos?
O desenvolvimento da tecnologia e a massificação dos robôs vai revolucionar o mundo do trabalho. Se, por um lado, isso significa um aumento da qualidade de vida e da produtividade, o reverso da medalha pode abalar a sociedade tal como a conhecemos: menos empregos e maior desigualdade social.
Com a crescente automação, a tendência é para que algumas profissões desapareçam. Um estudo do Fórum Económico Mundial, publicado em setembro, prevê que em 2025 mais de metade dos empregos esteja nas mãos de máquinas, uma percentagem quase duas vezes superior à que se verifica em 2018 (29%). “As tarefas mais simples, muitas vezes mal pagas, serão as primeiras a extinguir-se”, considera António Moniz, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova de Lisboa.
Que empregos vão desaparecer?
De acordo com uma das pesquisas mais conhecidas sobre o futuro do trabalho, feita por Carl Frey e Michael Osborne, os profissionais em maior risco de desaparecer serão os operadores de telemarketing (99%), os operadores de caixa (97%), os cozinheiros (96%), os funcionários dos correios (95%), os empregados de mesa (94%) e os contabilistas (94%).
“Poderemos vir a assistir a grandes aumentos na produtividade e na qualidade de produção, acompanhados por um aumento da desigualdade de distribuição de rendimento”, afirma Sérgio Rebelo, codiretor do Centro de Macroeconomia Internacional da Northwestern University, nos Estados Unidos. E explica: “Os novos modos de produção empregam cada vez mais engenheiros informáticos e outros trabalhadores com um grau de especialização elevado. Ao mesmo tempo, os salários reais dos trabalhadores de rotina têm vindo a cair, reduzindo a procura de bens de consumo”.
Perante este cenário, Portugal poderá ser um dos países mais afetados da Europa. Segundo estimativas do think tank independente Bruegel, 58,9% dos empregos do nosso país apresentam elevado risco de automação nos próximos 20 anos – apenas a Roménia tem uma probabilidade superior (61,9%).
Para o académico espanhol Juan Dolado que, tal como Sérgio Rebelo, esteve em Portugal a participar na conferência “O Trabalho dá que Pensar”, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), haverá um grupo menos qualificado que sairá beneficiado. “São as pessoas que têm poucas competências mas que desempenham tarefas difíceis de serem executadas por máquinas”, afirma o professor de Economia no Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália. “Serão procurados pelos mais qualificados, que terão que lhes confiar atividades como limpeza, catering e cuidados pessoais.”
10 competências a ter em consideração em 2023
Ainda que muitas funções possam desaparecer, o número de novas profissões não será proporcional, afirma o académico Sérgio Rebelo. “Isso não aconteceu antes. A maior parte das pessoas que saíram da indústria para os serviços foram empregues em profissões que já existiam (professores, enfermeiros, cozinheiros)”.
De acordo com o relatório O Futuro do Trabalho 2018, do Fórum Económico Mundial, em 2022 o trabalhador ideal terá de ter um conjunto de competências que incluem a resolução de problemas complexos, pensamento crítico, criatividade e capacidade de iniciativa. “É possível que, em muitos casos, os empregos atuais passem a ser desempenhados de forma combinada entre humanos e dispositivos tecnológicos. Tal como vemos hoje os pilotos a utilizarem software para conduzir aviões, poderemos ver médicos a recorrerem a métodos de Inteligência Artificial para diagnosticarem doenças”, diz Sérgio Rebelo.
Analistas de dados, especialistas em machine learning e Inteligência Artificial e gestores serão os profissionais mais requisitados em 2022, afirma o relatório do Fórum Económico Mundial.
“Talvez o melhor seja tornarmo-nos eternos aprendizes. Isso significa que, com frequência, teremos de saber novas coisas em pouco tempo e aplicá-las em novos cenários e ambientes”, recomenda o norte-americano Jacob Morgan, autor do bestseller The Future of Work. “Temos de aprender a aprender, sem depender de escolas ou empresas.” Veja quais as competências que o trabalhador do futuro deve ter:
Em alta | Em baixa |
Pensamento analítico e inovação | Destreza manual, resistência e precisão |
Aprendizagem ativa | Capacidade de memória, oratória e audição |
Criatividade, originalidade e iniciativa | Gestão de recursos financeiros e logísticos |
Design tecnológico e programação | Instalação e manutenção de tecnologias |
Pensamento crítico e análise | Leitura, escrita e matemática |
Solução de problemas complexos | Gestão de pessoas |
Liderança e influência social | Controlo de qualidade e segurança |
Inteligência emocional | Coordenação e gestão do tempo |
Raciocínio e formulação de ideias | Capacidades visuais e de discurso |
Análise e avaliação de sistemas | Uso, monitorização e controlo de tecnologia |
Menos horas no escritório e mais freelancers
Uma das consequências do aumento da automação é a redução da carga horária dos trabalhadores. No livro de entrevistas Pensar o Trabalho do Futuro, editado pela FFMS, o investigador Arlindo Oliveira defende que os próximos 50 anos vão introduzir mais alterações na rotina do que os últimos 50. Num dia comum, “a pessoa levanta-se e entra num sistema automatizado para ir para o trabalho. Chega e interage com uma série de sistemas mais ou menos inteligentes que lhe dão coisas para fazer. Trabalha umas horas, toma algumas decisões de alto nível e depois vai para casa”. Na mesma publicação, Miranda Schreurs, professora na Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, diz que teremos mais tempos de lazer. “Passaremos mais tempo a apreciar a natureza e a estar com os amigos.”
Ao mesmo tempo, cada vez mais pessoas optarão por um regime de trabalho livre. A chamada Gig Economy, economia flexível que procura freelancers para funções altamente qualificadas e bem pagas, ganhará terreno. “Trabalharemos cada vez mais por projetos, juntando colaboradores e freelancers que agreguem diferentes saberes e competências”, considera Marta Maia, diretora de recursos humanos da empresa portuguesa Jerónimo Martins, que tem cerca de 105 mil colaboradores em três países.
De acordo com um estudo publicado o ano passado, nos Estados Unidos, pelo Sindicato de Freelancers e pela plataforma online Upwork, em 2027 mais de 50% dos trabalhadores do país serão freelancers. A hipótese é já hoje atrativa. Uma pesquisa global, realizada este ano pela consultora Deloitte, revela que 62% dos profissionais encara a hipótese de se tornar freelancer, como alternativa ao emprego a tempo inteiro.
Sem horários, sem local fixo de trabalho e em permanente mutação de competências. É nesta dança constante entre a inovação tecnológica, o bem-estar dos cidadãos e a necessidade das empresas captarem e recrutarem talentos que está o futuro do emprego. É um futuro complexo e sem manual de instruções mas que, como tudo na vida, se ajustará à vontade dos Homens. Depois, têm a palavra os robôs.
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Montepio, edição 28. Faça aqui o download da Revista.
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