“As entidades que trabalham na área da deficiência são as que estão mais maduras”

A diretora da Fundação Montepio, Paula Guimarães, faz, em entrevista ao Ei, um balanço “muito positivo” da primeira edição do Programa FACES.
Artigo atualizado a 14-05-2019

Os nove projetos financiados pelo FACES foram apresentados no evento “Para Lá das Barreiras”, que decorreu no Porto, no dia 20 de setembro. Um encontro que teve como objetivo promover a partilha de resultados e de experiências por parte das instituições.

O que foi apresentado nesta sessão de balanço do FACES?

O Programa FACES é uma iniciativa da Fundação Montepio que visa criar linhas de investimento social para instituições da economia social. A primeira edição foi em 2017 e teve três linhas de apoio: o FACES 1, para a empregabilidade das pessoas com deficiência; o FACES 2, para apoio a crianças e jovens em situação de risco; e o FACES 3, para apoio a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade.

O layout do FACES é a procura da autonomização, da independência dos clientes das instituições e, portanto, promovemos projetos que queiram efetivamente contribuir para que eles se possam ir afastando gradualmente das instituições e criar a sua própria vida, autónoma e independente.

Nesta sessão pretendemos reunir todos os projetos financiados na primeira edição do FACES, na dimensão da empregabilidade das pessoas com deficiência, para que eles partilhem os resultados e percebam se é possível criar pontes entre si.

Temos vários projetos do distrito de Coimbra que gostávamos que se aproximassem e que se conhecessem. Esse é um grande problema da economia social em Portugal. As instituições não sabem, e muitas vezes não querem, trabalhar em conjunto. Através desta iniciativa queremos aproximá-las e fazer com que percebam que só têm a ganhar se rentabilizarem os conhecimentos e as experiências que estão a decorrer.

Que balanço faz do impacto destes projetos um ano depois?

Até agora é interessante, sendo certo que há projetos que têm uma duração prevista de dois a três anos. Estão ainda numa fase de maturação. Outros já terminaram aquilo a que se tinham proposto. E outros, inclusive, já ganharam uma segunda edição do FACES, para fazerem um upgrade. Mas, de uma maneira geral, o balanço é muito positivo. E sinal também que é uma área, pelo menos do ponto de vista da Fundação Montepio, que melhor trabalha em Portugal. Ou seja, as entidades que trabalham na área da deficiência são as que estão mais maduras, mais preocupadas com a avaliação de resultados, mais preocupadas em ter um espírito de liderança colaborativa e, também, mais preocupadas em juntarem a inovação e a tecnologia ao desenvolvimento das respostas mais clássicas.

A Fundação tem um papel relevante neste apoio à empregabilidade das pessoas com deficiência, mas considera que no setor público há já uma maior sensibilidade para esta questão?

Acho que sim. Há uma grande diferença de há vinte anos para cá. Há uma grande intensificação dos apoios, diversificação de financiamentos e uma grande aposta na emancipação e na autonomia das pessoas com deficiência. É claro que não chega. Há sempre coisas por fazer e também é preciso notar que não é só o setor público que tem que investir nestas dimensões. Todos nós temos as nossas responsabilidades e também o setor da economia social, no qual a Fundação se integra, tem de ajudar e contribuir para esta perspetiva. O Estado está muito condicionado pela comparticipação e pelo financiamento das respostas permanentes e, por isso, tem de ficar para nós o investimento nas experiências e na inovação. O ideal, num mundo ótimo, seria que o setor privado financiasse as experiências, a experimentação. Depois de se darem provas e de se verificar que resultam, estas passarem a ser políticas públicas e o Estado passar a financiar com caráter de regularidade. Seria a colaboração perfeita.

Existe alguma sugestão que tenha partido da Fundação e que tenha sido implementada pelo Governo?

Tenho a noção de que o Governo está atento, que está preocupado. O presidente do Instituto Nacional de Reabilitação esteve na inauguração do CRIDEM . E isso foi um sinal inequívoco de que está a acompanhar os nossos projetos. Por outro lado, foi-nos solicitado que enviássemos as conclusões e os resultados dos trabalhos à secretaria de Estado, precisamente para os poderem acompanhar. Estou convencida de que isto não é uma sementeira infrutífera.

O que pode adiantar em termos de outras iniciativas que a Fundação esteja a pensar implementar nesta área da empregabilidade?

Lançámos já a segunda edição do FACES. A 27 de setembro foram entregues os protocolos e os financiamentos às instituições. Mais uma vez, foi o setor da deficiência que teve mais projetos apoiados, muito nesta linha da empregabilidade e do reforço da autonomia. Mas temos a noção de que temos de fazer um bocadinho mais e há mais duas dimensões em que a Fundação está empenhada. Uma tem a ver com o apoio jurídico às instituições relativamente ao novo Estatuto do Maior Acompanhado, que saiu recentemente e que vai ajudar muito a que haja uma emancipação e a capacidade de as pessoas com deficiência intelectual poderem gerir o seu próprio património de uma forma mais eficaz. Por outro lado, temos a noção de que muitas vezes a empregabilidade é uma empregabilidade mitigada, porque muitas das pessoas com deficiência, principalmente intelectual, não conseguem romper completamente relações com as instituições. O que fizemos foi perceber isso e falar com as instituições.

Este novo FACES já tem outras noções. Não apenas a criação do posto de trabalho,mas a formação. Há outras coisas a fazer além do incentivo às empresas para receberem as pessoas com deficiência, designadamente trabalhar a autoestima, a autoconfiança, trabalhar as famílias, porque muitas vezes as famílias não acreditam o suficiente na capacidade dos seus filhos, e muitas vezes infantilizam-nos quando já não há razão para isso.

E depois há o CRIDEM, que permite demonstrar que há outras formas de empregabilidade das pessoas com deficiência intelectual, nomeadamente na dimensão artística. E apareceram alguns projetos muito interessantes na segunda edição, que visam preparar as pessoas com deficiência intelectual para serem artistas, dançarinos, atores, artistas plásticos, explicando que há mais vida para além de serem agricultores ou serem pessoas que limpam as ruas ou outras atividades que eles podem fazer.

Tem ideia de quantas pessoas já foram impactadas por estes projetos?

Beneficiários diretos são cerca de 200. Os indiretos são bastante mais, porque tem a ver com todo o processo das famílias. Mas é de notar que a Fundação Montepio sempre se preocupou mais, com grupos pequenos do que com grupos com grandes dimensões, porque estamos no quadro da experimentação. Até porque na altura em que os projetos aparecem é muito difícil às instituições definirem, à partida, qual é o universo que querem atingir.

Por isso, a Fundação Montepio tem outro programa, que começou a 25 de setembro, que é o Programa de Avaliação de Impacto Social. Para nós é fundamental que estas instituições complementem a sua atividade com uma clara avaliação daquilo que foi a mudança que operaram na vida das pessoas e das suas comunidades. Isso sim, vai dar-nos a noção exata daquilo que as instituições fazem como diferença. E esta é uma linguagem que também não está completamente intuída na economia social portuguesa. Preferimos, ainda, continuar a contar cabeças do que avaliar aquilo que, de facto, mudou. E aí o Estado está um bocadinho atrasado relativamente aos investidores privados e gostávamos muito que desse o exemplo e começasse a diferenciar a comparticipação de acordo com a qualidade do trabalho e com a mudança provocada.

Em termos da realidade do país, e neste setor em particular, notam-se muitas assimetrias entre Porto e Lisboa e o resto do país?

Notam-se assimetrias. Pela segunda edição consecutiva, e mesmo quando não tínhamos o programa FACES e trabalhávamos sobre as propostas que nos iam chegando, nota-se muita diferença entre o litoral e o interior do país. Portalegre, Vila Real e Faro são os três distritos com menos presença nas candidaturas. E depois há claramente uma grande diferença entre o que são as candidaturas do litoral do país e do interior.

Acho que isto acontece por três razões: uma positiva e duas negativas. A positiva é que há uma entreajuda entre as organizações e as forças da comunidade que faz com que muitas das necessidades sejam supridas ao nível local. A relação com as autarquias é mais próxima, os centros paroquiais, as misericórdias, os bombeiros… tudo se relaciona mais facilmente. Por outro lado, há claramente um afastamento muito grande relativamente aos centros de decisão. Existem muitas linhas de financiamento e muita informação que não chega, e essa é uma causa negativa. A terceira é que há efetivamente um défice de capacitação dos quadros técnicos e dos dirigentes das instituições. Parcerias de impacto, avaliação e sustentabilidade são palavras que ainda não estão completamente absorvidas e apreendidas. Portanto, existem muitas dificuldades em fazer candidaturas.

Percebemos que as candidaturas provenientes destas zonas são mais fracas, em termos de conceção, que outras e, por isso, a Fundação e a Associação Mutualista têm trabalhado muito em capacitação. Temos neste momento quatro programas ativos para ajudar as instituições a gerirem melhor e a fazerem melhores candidaturas.

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