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Gratidão: que palavra é esta que tanto usamos?

Gratidão: que palavra é esta que tanto usamos?
6 minutos de leitura
Ilustração de Pedro Dias
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A

4 de janeiro de 1844, a Carta Régia de D. Maria II aprovou os novos estatutos do Monte Pio Geral, que tinha por fins prestar socorros aos sócios, aos parentes dos mesmos ou a estranhos “credores da sua gratidão”. Cento e oitenta e quatro anos depois, a palavra “gratidão” está na moda. Neste artigo, contamos-lhe o que é a gratidão na primeira pessoa.

Poucos acreditariam que, cinco anos após um acidente que o deixou tetraplégico, Miguel Castro estaria a andar. “As mãos ainda estão fechadas, mas mexo as pernas, consigo tomar banho sozinho, conduzo e cozinho. Moro sozinho e sou 95% independente”, conta o antigo empresário e praticante de paraciclismo. Na época passada, foi campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal na classe H1. Acorda todos os dias às seis da manhã, faz natação e ginásio e à, tarde, treina em casa. “Estou focado no exercício físico para tentar evoluir. Chego a fazer vinte horas semanais.”

Aos 56 anos, Miguel Castro continua tão determinado como nos meses que se seguiram àquele fatídico dia 25 de abril de 2019 quando, durante um treino de natação, foi enrolado por uma onda, bateu com a cabeça no chão e fez uma grave lesão medular. Na altura, estava a treinar para participar no Ironman, uma prova de triatlo com distâncias maiores: 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42,195 km de corrida. “Lembro-me de dizer a alguns amigos que me visitaram no hospital — fiquei internado dois meses — que iria fazer o triatlo naquele agosto.”

Miguel Castro não desistiu e, aos poucos, foi recuperando a força e os movimentos. “Os médicos ficaram de boca aberta. Sou um caso raro.” Além da fé que o acompanhou ao longo dos meses, e do espírito resiliente que os tempos da tropa lhe trouxeram, a recuperação também foi possível graças às poupanças de que dispunha. “Não seria com meia dúzia de tostões que o Estado me dá que iria conseguir sustentar-me”, diz, contando que comprou a primeira casa aos 23 anos e sempre fez investimentos.

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Praticar a gratidão

Olhando para trás, Miguel Castro usa a palavra gratidão para descrever o seu percurso nos últimos anos. “Estou muito grato a todas as pessoas que me receberam em Alcoitão, onde fiz reabilitação, e aos meus pais que, durante dois anos, me aceitaram de novo em casa. Dou graças a Deus por estarem vivos e por me terem ajudado no momento mais difícil”, conta, emocionado, afirmando que está grato também por nunca se ter resignado. “Apesar de os médicos dizerem o contrário, nunca aceitei que ficaria assim para o resto da vida”, afirma o antigo empresário. “O meu objetivo agora é voltar a correr.”

Segundo a psicóloga clínica Renata Chaleira, este “aumento da resiliência” é uma das vantagens do sentimento de gratidão. “As pessoas gratas tendem a lidar melhor com as dificuldades e a recuperar mais rapidamente de situações mais desafiadoras”, refere. Mas existem mais, enumera a especialista da CUF, parceira do Montepio Associação Mutualista: aumento da felicidade, direcionando “a nossa atenção para o que temos de positivo na nossa vida, em vez de nos concentrarmos no que nos falta”; melhoria do humor, uma vez que, “ao cultivar a gratidão, tendemos a ter pensamentos mais positivos”; melhoria da autoestima, já que “ajuda a reconhecer as nossas qualidades”; fortalecimento dos relacionamentos, porque, “ao expressar gratidão pelas pessoas nas nossas vidas, fortalecemos os laços e criamos um ambiente mais positivo e acolhedor”.

Foi precisamente com esse intuito que nasceu, há já 184 anos, a Associação Mutualista Monte Pio. Em Carta Régia, D. Maria II aprovou, a 4 de janeiro de 1844, os novos estatutos desta associação mutualista, que tinha por finalidade prestar socorros (através de seguros mútuos sobre a vida e empréstimos sobre penhores) aos sócios, aos parentes dos mesmos ou estranhos “credores da sua gratidão”.

Essa missão continua a ser cumprida muitos anos depois — gerando em muitos esse sentimento de gratidão. Um exemplo disso é o projeto Frota Solidária, criado em 2008 pela Fundação Montepio e para o qual qualquer cidadão pode contribuir consignando 0,5% do seu IRS. Até à campanha de 2023, já tinha sido possível oferecer 268 viaturas adaptadas a instituições de Portugal Continental e ilhas, como a Associação de Intervenção Social de Grândola (AISGRA), que acompanha 230 utentes.

Entre eles está Maria Rosete Guerreiro. Nascida a 20 de agosto de 1944, as mazelas de sete décadas de vida isolaram-na em casa. Após quedas sucessivas nas escadas ou na rua, deixou de passear ou até de ir aos correios receber a pensão. O apoio da viatura adaptada da AISGRA (com degrau, barras para os utentes se segurarem, porta larga, rampa para cadeiras de rodas) tem sido muito importante para a resgatar, segundo conta neste testemunho. Diariamente, e até depois da hora do lanche, tem um espaço onde conversar, pintar e fazer desenhos. “Agora conseguimos trazer pessoas com mais dificuldades e que se sentiam sozinhas”, descreve a animadora sociocultural, Catarina Simões.

“As pessoas gratas tendem a lidar melhor com as dificuldades e a recuperar mais rapidamente de situações mais desafiadoras”

Renata Chaleira, psicóloga clínica

Uma moda ou mais do que isso?

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, editado pela Porto Editora, a palavra gratidão, com origem no latim gratitudĭne, e define-se por “reconhecimento por um benefício que recebeu; agradecimento; qualidade de quem é grato”. Um termo que, segundo a especialista em linguística, Sandra Duarte Tavares, é atualmente usado de um modo excessivo, sobretudo nas redes sociais. “Por vezes, pode parecer superficial e pouco sincero, desvalorizando o seu significado e tornando-o um clichê”, diz a especialista. Ainda assim, Sandra Duarte Tavares diz que esta palavra, quando usada “com sinceridade e consciência, é benéfica para o nosso bem-estar emocional e, por isso, continua a ser adequada”.

O que explica, afinal, que alguns termos comecem a ser de repente usados com mais frequência, tornando-se quase moda? Para a consultora e professora universitária, a generalização de algumas palavras deve-se a uma combinação de fatores linguísticos, sociais e tecnológicos. “A língua está em constante evolução e as palavras que mais utilizamos refletem essa adaptação contínua às novas necessidades e realidades, sobretudo no domínio da informática, economia, comunicação e marketing, saúde e desporto”, refere Sandra Duarte Tavares. A juntar à globalização, que tem estimulado o uso cada vez maior de estrangeirismos, a especialista afirma ainda que “as tendências culturais e alguns eventos sociais também contribuem para que certas palavras se tornem mais populares, como aconteceu durante a pandemia da Covid-19”. E deixa alguns exemplos: “Confinamento, teletrabalho, distanciamento social, quarentena, são alguns termos que, apesar de já fazerem parte do nosso léxico, passaram a ser usados com bastante frequência durante esse período.”

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Os norte-americanos e os canadianos têm um dia para agradecer os bons acontecimentos nas suas vidas. O Thanksgiving Day, ou Dia de Ação de Graças, é celebrado anualmente na quarta quinta-feira de novembro. “O sentimento e a gratidão são fortemente incentivados no mundo. A ideia de agradecer pelas coisas boas da vida e pelas pessoas que nos cercam é um valor universal partilhado por inúmeras culturas”, explica a psicóloga clínica Renata Chaleira.

Expressar gratidão – como Miguel Castro faz – tem também uma influência muito positiva no nosso cérebro, refere a especialista da CUF: “Várias pesquisas científicas já provaram que sempre que sentimos gratidão, libertamos dopamina (um neurotransmissor importante) e estimulamos o sistema de recompensa do cérebro, gerando uma sensação de prazer e bem-estar.” Em simultâneo, a gratidão é um sentimento “muito forte e poderoso” que pode promover relacionamentos saudáveis e duradouros. “Ao expressar gratidão, cultivamos um ambiente de positividade, respeito e confiança”, conclui a psicóloga clínica.

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