comportamento da natureza inspira-nos a encontrar soluções mais eficazes para viver e trabalhar. A teoria da polinização cruzada, inspirada nos insetos, destaca o poder da troca de ideias entre equipas, pessoas e empresas, que potencia a criatividade e a inovação. Conheça alguns dos projetos que, em Portugal, estão a atalhar o caminho das boas ideias.


Conta-se que Pablo Picasso terá dito um dia: “Os bons artistas copiam, os grandes roubam.” A frase é muitas vezes utilizada para demonstrar que as inovações nascem de trabalho preexistente e que, falando numa lógica lavoisieriana, tudo se transforma. É assim na cultura — na música, nas artes plásticas ou na literatura, por exemplo —, mas também nas empresas e nas organizações. Por vezes, a solução para um determinado problema pode estar à frente dos narizes de pessoas ou organizações improváveis. Veja-se a história de Richard Drew, vendedor de lixas da Minnesota Mining and Manufactoring Company (futura 3M) que, um dia, começou a pensar nos desafios dos pintores de automóveis. Apesar de não ser especialista, Drew sabia que, ao tirar a areia da lixa, ficaria com um material que poderia ajudar os pintores de automóveis no dia a dia: o antepassado da fita adesiva.
Richard Drew investiu na sua ideia e o resto é história: a 3M tornou-se sinónimo de inovação empresarial até aos dias de hoje.
Há parcerias invulgares. A Google e a Levi’s criaram roupa que integra tecnologia. O Museu Van Gogh, cuja experiência oficial esteve em Portugal com o apoio do Montepio Associação Mutualista, em 2020, colaborou com a The Pokémon Company. E, recentemente, jogadores profissionais de futebol entraram em campo com cães para adoção, uma iniciativa da Liga Portugal e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que garantiu visibilidade única para a causa.
Na economia social, promover visões diferentes é uma mais-valia para atingir objetivos comuns. É esse o objetivo, por exemplo, da parceria entre a Fundação Montepio e a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) que, embora com objetivos distintos, partilham a missão comum de promover a solidariedade e o apoio às pessoas em situação de vulnerabilidade. “Esta missão nobre cria um terreno fértil para uma troca de aprendizagens entre as duas organizações”, explica João Lázaro, presidente da APAV. “A sua longa trajetória em áreas como a inclusão social e o desenvolvimento sustentável pode servir de inspiração para a APAV”, continua o responsável, indicando as áreas da gestão de projetos, do envolvimento de parceiros e da captação de recursos para sustentar atividades como aprendizagens contínuas.
“A APAV pode aprender com a forma como a Fundação Montepio estrutura os seus projetos sociais, garantindo a eficácia e sustentabilidade das iniciativas. Ao observar o modo como a Fundação Montepio gera impacto através de parcerias estratégicas e programas que abrangem uma ampla gama de necessidades sociais, a APAV adota práticas semelhantes para ampliar o alcance dos seus serviços de apoio às vítimas”, refere João Lázaro.

Um caminho, dois sentidos
Na polinização cruzada, não há sentidos obrigatórios. Por isso, também a Fundação Montepio ganha com a abordagem multidisciplinar da APAV. “A nossa experiência em lidar diretamente com vítimas de crime e violência oferece uma perspetiva valiosa para a Fundação Montepio, em particular no modo como aborda questões de vulnerabilidade e trauma”, garante João Lázaro. Prestes a completar 35 anos, a APAV goza de uma notoriedade muito grande em Portugal, como o provam os números. De 2020 para 2023, a APAV aumentou o número de atendimentos em 40,43%, das 66 408 pessoas atendidas em 2020 para as 93 254 em 2023.
Outras das marcas que distingue a APAV é a sua abrangência geográfica. Em 2023, atendeu pessoas de 292 dos 308 municípios portugueses. “A APAV pode fornecer insights sobre as necessidades específicas de grupos vulneráveis, ajudando a Fundação a refinar os seus projetos e iniciativas de apoio social”, frisa João Lázaro. “Esta troca de experiências permite que ambas as organizações cresçam e se fortaleçam mutuamente, contribuindo de modo significativo para uma sociedade mais justa e solidária.”
Um dos projetos que une as duas instituições é o Prémio APAV para a Investigação, um galardão que premeia trabalhos sobre temas ou problemas relacionados com a missão da APAV. “O prémio contribui para melhorar a vida das pessoas vítimas de crime, seus familiares e amigos, ao incentivar a produção de conhecimento científico em áreas fundamentais para o apoio às vítimas”, adianta João Lázaro. Ao apoiar projetos de investigação que exploram novas abordagens e soluções, o prémio contribui para uma sociedade “mais informada e preparada para prestar assistência de qualidade a quem enfrenta as consequências de um crime”. Mas também para a criação de programas de apoio mais completos, inovadores e sensíveis às dinâmicas relacionais afetadas pela vitimização.
A parceria com a APAV assenta que nem uma luva à Fundação Montepio e à sua missão de promover o desenvolvimento da pessoa humana na sua dimensão de ser solidária com os seus semelhantes. Mas ainda há caminho a percorrer entre as duas instituições. João Lázaro acredita que o futuro trará novas oportunidades. “A colaboração pode expandir-se para novas iniciativas dentro do campo social, designadamente o apoio a projetos-piloto que visem a experimentação de metodologias de trabalho inovadoras no âmbito do apoio a vítimas de crime.” Entre as áreas de abordagem encontram-se a da educação, da sensibilização e da inclusão e inovação social. Mas também na intervenção em crises emergentes. “A expertise da Fundação Montepio em intervenção comunitária poderia expandir a parceria para atuar em crises emergentes, como desastres naturais, violência em massa ou pandemias, fornecendo apoio emocional, psicológico e social às vítimas”, conclui o responsável.
Prémio APAV para a Investigação: os vencedores de 2024
Mariana Pinto, com o projeto “A discriminação étnico-racial em Portugal”, e Daniela Antunes, com o projeto “O consenso no processo penal português e a salvaguarda dos interesses da vítima”, venceram a 10.ª edição do Prémio APAV para a Investigação. A menção honrosa foi entregue a Ana Teresa da Cruz, com a investigação “O dever de cuidar dos pais idosos: novos rumos na lei”.
“Os estudos premiados trazem à luz novas questões e abordagens que podem influenciar tanto as políticas públicas quanto a prática de apoio direto às vítimas”, explica João Lázaro, presidente da APAV. “Este tipo de reflexão contínua sobre os resultados das investigações permite à APAV ajustar e melhorar os seus serviços, mantendo-se na vanguarda das melhores práticas no apoio às vítimas. Ao mesmo tempo, as publicações e divulgação desses projetos ajudam a aumentar a visibilidade da APAV no espaço público, reforçando o seu papel como uma referência nacional e internacional na defesa dos direitos das vítimas.”
Uma organização, vários caminhos
Por vezes, não temos de sair de casa para encontrar boas ideias. No Grupo Montepio, a troca de experiências contribui para estimular a criatividade, reter conhecimento e fortalecer a cultura mutualista. Em outubro, o Banco Montepio promoveu a tradicional Semana do Bem-Estar, uma iniciativa destinada aos seus trabalhadores. De entre as inúmeras iniciativas para promover o bem-estar em todas suas declinações — físico, mental, profissional ou social —, o Banco Montepio promoveu um workshop organizado pelo Ei, o projeto de educação e informação financeira lançado pelo Montepio Associação Mutualista em 2012. Com o objetivo de sensibilizar os trabalhadores para a importância da poupança para a reforma, o workshop chegou a os colaboradores do Banco Montepio. Com o tema “Mitos e verdades sobre a preparação para a reforma”, o workshop partiu da experiência de 12 anos da equipa redatorial do Ei a abordar o tema da educação financeira.
A troca de experiências dentro do mesmo grupo traz benefícios tangíveis e intangíveis. Além de poupar dinheiro com eventuais custos externos — de consultores ou especialistas —, a polinização cruzada traz riqueza e experiência incalculáveis para a organização: resolve problemas, renova a motivação dos colaboradores e pode gerar inovação inesperada. “O poder não vem do conhecimento retido, mas do conhecimento partilhado. Os valores e o sistema de recompensas de uma empresa devem refletir essa ideia”, explicou Bill Gates, fundador da Microsoft, citado por Eric Schmidt, da rival Google, no livro How Google Works.
REVISTA MONTEPIO
O corajoso ato de lançar um negócio em pandemia
A polinização cruzada na arte
A colaboração entre os Run-DMC e os Aerosmith, em 1986, é um marco na história da música e um exemplo do poder da polinização cruzada também na arte. O projeto, idealizado por Rick Rubin, não apenas revitalizou a carreira de uma banda de rock clássico que enfrentava um período de declínio, mas também deu um impulso significativo à música rap, então ainda emergente. A união de forças criou algo novo, o rap rock, que abriu caminho a futuras fusões musicais e mostrou como estilos aparentemente diferentes podem complementar-se.
A escolha de Walk This Way, canção originalmente lançada pelos Aerosmith em 1975, foi crucial. A música possui elementos que se adaptaram bem ao estilo energético e percussivo do rap, permitindo que ambos os grupos brilhassem. Steven Tyler e Joe Perry, dos Aerosmith, participaram ativamente na nova versão e o resultado foi uma explosão criativa que chegou aos tops internacionais, expandindo os limites de ambos os géneros.
Este exemplo mostra como a abertura à experimentação e ao diálogo entre culturas artísticas pode gerar um impacto duradouro, transformando a história da música e criando tendências inovadoras. Walk This Way não foi apenas um sucesso comercial, mas também uma declaração de que barreiras estilísticas podem ser superadas para criar algo maior que a soma das suas partes.
Curiosamente, e apesar de os Run-DMC terem ganho notoriedade com a parceria, seriam os dinossauros de Boston os principais vencedores. A música conseguiu, por si só, rejuvenescer e reabilitar o projeto musical de Steven Tyler e Joe Perry, que permaneceu ativo (para já) até 2023.
Para Rick Rubin, que em 1986 era um jovem de 22 anos, a parceria teve um impacto tão grande na carreira que influenciou os trabalhos seguintes. Em 1994, Rubin sugeriu ao veterano Johnny Cash um álbum de versões de bandas e artistas atuais. O resultado, American Recordings, é hoje considerado um dos melhores álbuns de sempre e voltou a colocar Cash, então com 62 anos, no coração dos norte-americanos.
Em Portugal, existem vários exemplos de polinização cruzada na música. Em 2004, o projeto Humanos cantou temas inéditos de António Variações. Cinco anos depois, com o apoio do Montepio Associação Mutualista, Sónia Tavares e Nuno Gonçalves (The Gift), Fernando Ribeiro (Moonspell) e Paulo Praça (Turbojunkie e Plaza) cantaram versões pop de Amália Rodrigues no projeto Amália Hoje.
Estes são alguns dos exemplos de como a polinização cruzada não se confina à vida das empresas ou das organizações e chega até à arte ou ao desporto. Mookie Blaylock, um dos jogadores mais baixos de sempre da NBA, a principal liga de basquetebol do mundo, utilizava a sua baixa estatura para ganhar vantagem nos roubos de bola, fazendo várias vezes parte dos destaques defensivos da liga. Nas empresas, na arte, no desporto ou na vida pessoal, como tudo na vida, a virtude está no equilíbrio. E na diversidade. Perguntem aos insetos e aos pássaros como.

5 ideias para promover a polinização cruzada
A teoria da polinização cruzada atravessa diferentes momentos da vida: o mundo empresarial e o convívio social, o desporto e a criatividade. Quer promover a polinização cruzada na sua empresa ou organização? Aqui estão 5 ideias práticas.
1. Junte pessoas improváveis
Ninguém domina todos os assuntos, mas a diversidade de competências e experiências pode abrir portas à inovação. Promova encontros entre pessoas de diferentes áreas ou origens. A interação entre pontos de vista divergentes é a base para soluções criativas e transformadoras.
2. Troque os papéis
Estar no lugar do outro é fundamental para compreender as suas dificuldades e perspetivas. Na sua organização, incentive os colaboradores a trocarem temporariamente de funções. Um vendedor pode acompanhar a equipa de design durante uma semana para se inteirar dos desafios — e vice-versa. Esta prática melhora a empatia e estimula novas ideias.
3. Valorize a diversidade
Cada pessoa tem um histórico e uma visão do mundo únicos. Incentivar a colaboração entre indivíduos com diferentes experiências de vida — quer sejam culturais, sociais ou profissionais — enriquece o trabalho em equipa. A diversidade agrega valor ao resultado final, ampliando as possibilidades de inovação.
4. Invista em programas de mentoria
A troca de conhecimentos é essencial. Um modelo de mentoria cruzada, no qual tanto os mais experientes como os mais novos partilham ideias, permite que sejam criadas soluções frescas sem perder o rigor técnico. Este tipo de interação também fortalece a ligação entre os membros da organização.
5. Abra-se à sociedade
As parcerias externas trazem perspetivas inovadoras. Considere colaborar com start-ups, universidades ou até empresas de indústrias distintas. Por exemplo, um restaurante pode trabalhar com um centro de tecnologia, ou um ATL pode colaborar com uma empresa de moda. No universo das ideias, as possibilidades são infinitas.