O meu maior arrependimento

O meu maior arrependimento
10 minutos de leitura
Fotografias de Rodrigo Cabrita, Maria João Gala e José Carlos Carvalho
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odos nos arrependemos. Seja por palavras não ditas, decisões mal tomadas ou afetos negligenciados, o arrependimento é uma emoção universal. Conheça cinco histórias de quem se arrependeu e teve coragem para contar.

Quem nunca se arrependeu? No episódio Eulogy, da 7.ª temporada da série de ficção científica emocional Black Mirror, Phillip, um homem solitário nos últimos anos de vida, é convidado a revisitar o passado através de uma tecnologia que recria memórias a partir de imagens.

O que começa como uma homenagem transforma-se numa confrontação com aquilo que foi esquecido, negado ou reprimido. No centro da narrativa está o arrependimento, alimentado ao longo dos anos por silêncios, omissões e uma relação amorosa mal resolvida. Ao revisitar aquilo que preferia não recordar, Phillip confronta uma verdade comum a muitos: só quando o tempo já não volta atrás é que certas memórias se tornam nítidas.

“O arrependimento é mais do que uma atitude de reconhecimento do erro”, reconhece João Parente, psiquiatra, psicoterapeuta e diretor clínico da Psiworks, clínica parceira do Montepio Associação Mutualista. Esta emoção está ligada à “consciência da necessidade de aprender com esse erro”. É também uma maneira de lidar com a culpa e a vergonha que o acompanham, ao imaginar o que se poderia ter feito de forma diferente.

Neste artigo, partilhamos histórias de arrependimento e revelamos como cada uma destas pessoas encontrou forças para o superar.

REVISTA MONTEPIO

A outra metade da minha vida

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Carmo Sousa Lara: uma história de superação

“Maltratei muito o meu corpo”

Durante anos, Carmo Sousa Lara teve receio de expressar a sua opinião sobre os mais diversos temas. “Isso significava revelar-me como era e eu acreditava que isso não era bom – ou porque tinha um feitio complicado, ou porque falava demais, ou porque era extravagante e exuberante. Às vezes, diziam-me: ‘Menos, minha menina!’ e, a certa altura, durante a adolescência, deixei de usar a minha voz com medo de ser rejeitada”, recorda. “É talvez um dos aspetos de que mais me arrependo na vida”, assume a empresária, que conta com mais de 120 mil seguidores no Instagram.

No início deste ano, Carmo, de 38 anos, decidiu partilhar este e outros arrependimentos. Explicou, entre outras coisas, que, após um longo percurso de autoconhecimento e de alguns anos de terapia, consegue finalmente assumir-se. Desde logo, lamenta não ter seguido a sua intuição. “Não aprendemos a confiar nela. Temos medo, ficamos assustados. Desconfiamos da nossa capacidade interior e isso é um desperdício”, afirma Carmo Sousa Lara, que conta que só a partir de 2020, já depois de ter completado 30 anos, é que começou a falar abertamente sobre o que pensava e sentia.

Desde cedo, por exemplo, teve dificuldades em lidar com o próprio corpo. Tinha peso a mais. Não encaixava no padrão da mulher perfeita. “Fiz muitas dietas, super-restritivas, superviolentas. Passava muitas horas, às vezes dias, sem comer”, recorda. Este processo levou-a a desenvolver uma compulsão alimentar. “Maltratei muito o meu corpo. Arrependo-me de não o ter ouvido e respeitado.”

A questão não era apenas física, assume. “Não impunha limites a nível emocional, afetivo, limites de respeito próprio e de respeito dos outros para comigo”, admite. “Queria ser simpática, agradável, amada”, e isso era notório na maneira como estabelecia relações de amizade e de namoro. “Anulava-me completamente para estar disponível”, recorda.

Nos últimos anos, Carmo Sousa Lara empenhou-se na luta pelo empoderamento feminino e tornou-se defensora do body positivity, um movimento que promove uma perspetiva positiva sobre todos os corpos, independentemente das suas características. Em 2023, publicou o livro Uma Autoestima sem Tamanho, no qual conta a sua história. “Recebo muitas mensagens de mulheres deprimidas, tristes, amarguradas, em sofrimento com o seu corpo. Poder ajudá-las é uma forma de realização pessoal e profissional”, conclui.

Carmo sente-se hoje “realizada e completa” ao dividir o seu tempo entre a Mu Collection, a sua marca de roupa inclusiva, a fotografia, as palestras, o ativismo, a criatividade e a carreira de modelo. “Tenho uma alma inquieta e não consigo sossegar”, afirma.

Pedro Ramos: O arrependimento como redenção

“Tenho a [Rádio] Futura para recuperar o tempo perdido”

O arrependimento é sempre uma maneira de recomeçar. Talvez por isso, quando perguntamos sobre as coisas de que se arrepende, o radialista Pedro Ramos faz questão de se manter otimista. “Os aspetos negativos [associados ao arrependimento] acabam por ser positivos porque podemos, e devemos, aprender e evoluir sempre com as piores situações. Aliás, se fosse fácil, este jogo de Super Mario Bros que é a vida não teria piada nenhuma”, considera o CEO e programador musical da Rádio Futura, um projeto online que criou em 2021, depois de 18 anos como diretor da rádio alternativa Radar.

“Seja com desilusões ou arrependimentos”, Pedro Ramos, que trabalha, também, em publicidade e televisão, considera que, independentemente da ocasião, é fundamental não sermos levados “pelo cinismo e pela desconfiança”. “Por cada corrupto, por cada lambe-botas, por cada pato-bravo, há muita gente honesta a querer melhorar este planeta”, defende, otimista. E acrescenta, seguro: “Se não fecharmos o coração com arrependimentos, há sempre uma probabilidade maior de nos cruzarmos com boas pessoas na nossa vida. Eu tenho essa sorte, a de ter muitos amigos, amigos livres e corajosos, e por estes dias precisamos mais do que nunca de liberdade e coragem.”

Com um percurso marcado pela rádio e pela música, Pedro Ramos passou pela VOXX entre 1999 e 2002 (com os programas A Rádio da Melinha e Um Gajo Perfeitamente Normal) e é ainda DJ e curador cultural. As festas Black Balloon, que organizou a convite do Lux Frágil (2011 a 2017), trouxeram a Portugal nomes como Ed Harcourt e El Perro del Mar, além de darem palco a artistas portugueses em ascensão como Benjamim, Linda Martini, Luís Severo ou Capitão Fausto.

Na Rádio Radar, programas como Serviço de Urgência e Acordo de Cavalheiros, que levou para a sua Futura, e Zé Pedro Rock & Roll, em parceria com Zé Pedro, guitarrista dos Xutos & Pontapés, tornaram-se ícones do meio alternativo.

Também na sua própria vida, Pedro Ramos reconhece momentos e situações que poderiam ter tomado outro rumo. “Há sempre arrependimento quando nos damos a uma pessoa ou instituição que acabam por revelar-se não honestos ou não do ‘lado bom da força’”, assume, acrescentando estar a referir-se a “um desperdício de anos de vida em que poderia ter estado a fazer coisas bem melhores”. Ainda assim, o radialista prefere olhar adiante, em vez de ficar refém do que correu menos bem. “Isso é passado enterrado e arrumado. Felizmente, ocupo-me com muitas coisas diferentes e tenho a Futura para me encher os dias de luz e para recuperar o tempo perdido: uma rádio honesta e sem interesses dúbios.”

Madalena Sá Fernandes, arrependida confessa

“Quem não se arrepende, não aprende”

O arrependimento é uma fonte de inspiração para o trabalho de Madalena Sá Fernandes, escritora revelação cuja obra de estreia, Leme, já se encontra na 7.ª edição. “É o motor do meu trabalho. Escrevo porque me arrependo, porque quero tornar os meus erros mais legíveis”, confessa a autora, que defende que “a vida fala connosco” quando olhamos para trás e percebemos que poderíamos ter agido de outra forma. “São pequenas lições para que possamos fazer diferente”, acrescenta, explicando que procura viver num processo de melhoria contínua. “Desconfio sempre de quem não se arrepende. Quem não se arrepende, não aprende”.

Com naturalidade, Madalena Sá Fernandes assume aquilo que poderia “ter ou não dito, feito ou não feito”, reconhecendo que o seu maior arrependimento foi ter silenciado a sua voz “por demasiado tempo”. “Fi-lo por medo, por vergonha, por não saber como usá-la.”

Esse silêncio foi quebrado quando lançou Leme, um livro que narra a história de uma rapariga que, durante anos, testemunhou a violência doméstica de que a mãe foi vítima, um relato autobiográfico, como a própria autora confirma. “Escrevo para ter voz, para lhe dar uso, para não deixar que se cale. É um processo muito pessoal e íntimo”, afirma Madalena, que no ano passado publicou Deriva, o seu segundo livro, desta vez uma coletânea de crónicas.

Com mais de 200 mil seguidores nas redes sociais, Madalena Sá Fernandes, que antes de se dedicar inteiramente à escrita geria uma agência digital, admite, também, que, hoje, preferia não ter feito algumas publicações na internet. “Na altura, faziam sentido. Hoje não, mas existe sempre a possibilidade de as apagar e foi isso que fiz”.

Ao contrário de outros escritores que refletem sobre arrependimentos nas suas obras, Madalena Sá Fernandes diz que esse não é, por enquanto, o seu caso. “Sei que é comum. Ainda não me aconteceu, mas sei que é uma possibilidade para algum dia.”

Ir além do arrependimento

Arrepender-se significa aprender com o erro. Mas para se lidar de forma saudável com o erro é importante ir além do arrependimento. “A responsabilização é uma atitude ética que não envolve necessariamente culpa ou vergonha: ‘Assumo o erro porque é a atitude mais correta. Tento perceber porque errei para evitar a repetição. Faço-o porque fui o autor desse erro e sou responsável pela sua reparação”, afirma João Parente, psiquiatra, psicanalista e diretor clínico da Psiworks. Durante este processo, é importante validar a coragem associada e perceber que há, também, uma aprendizagem inerente. “Vou-me tornando um ser humano melhor, mais capaz e competente”, sublinha.

Frederico Augusto: ter um AVC aos 24 anos

“Com literacia em saúde, talvez tivesse tomado precauções”

Frederico Augusto era ainda um jovem adulto quando a vida desabou à sua frente. Aos 24 anos, um dia após um dos momentos mais marcantes da sua vida – o do casamento –, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) que o deixou 10 dias em coma induzido e seis meses hospitalizado.

Quando regressou finalmente a casa, o dia a dia era tudo menos normal: não conseguia comer sozinho, falava com dificuldade e dependia de um andarilho para caminhar. Ainda assim, admite, teve “poucos momentos de desespero”.

“Estive sempre confiante na minha recuperação e o corpo foi respondendo. O apoio da família e dos amigos também foi muito importante”, assume Frederico, que conta que passou por um processo de recuperação longo e que incluiu fisioterapia e terapia da fala. “A resiliência é importante. Agarrei-me às pequenas coisas, que me faziam sentir bem e ter vontade de continuar, mas o que me fez mesmo querer viver, com unhas e dentes, foi a minha filha que, na época, tinha um ano.”

Durante o processo de recuperação, encarou cada “pequeno ganho como uma conquista”. “Ia ficando cada vez mais motivado”, sublinha, contando que o AVC o deixou com ataxia (uma alteração na coordenação dos movimentos) e com pequenas mudanças no padrão de sono.

Dez anos depois, Frederico Augusto tem uma vida normal. É gerente de um posto de abastecimento, anda a pé, vai ao ginásio e conduz. Voltou a casar-se e foi pai por mais duas vezes. Mas também passou a “ouvir os sinais do corpo” e a cuidar de si.

“Se, na altura, tivesse literacia em saúde, talvez tivesse tomado outras precauções”, assume, recordando que, quando sofreu o AVC, era fumador, tinha excesso de peso e o colesterol alto. Naquela fase, também não se privava de manter uma vida boémia sempre que lhe apetecia. Hoje, empenha-se em hábitos mais saudáveis. “Tenho atenção à alimentação, evito alimentos processados, deixei o tabaco e raramente consumo álcool. Procuro dormir bem.”

Céu Carrilho: uma casa cheia de problemas

“Arrependo-me de não ter tido mais cautela”

Aos poucos, os problemas do T3 que Céu Carrilho comprou, em 2023, numa zona tranquila do concelho de Cascais, foram-se manifestando. Primeiro, foi a garagem que era demasiado íngreme e não tinha um pavimento que permitisse estacionar tranquilamente o carro, sem derrapagens. “Fiquei com o carro preso e tive de chamar a assistência em viagem. Depois, os vizinhos contaram que havia problemas estruturais no prédio, recorda a funcionária pública de 51 anos. Nessa altura, Céu Carrilho ainda não tinha feito a escritura, mas o contrato de compra e venda (CPCV) já tinha sido firmado e a entrada para o imóvel, no valor de 28 mil euros, feita. A conversa com o antigo proprietário não teve grande impacto, mas como Céu Carrilho tinha vendido a casa antiga e investido algum dinheiro nesta, assinou a escritura. “Ainda assim, deixei claro que não estava satisfeita e insisti que o problema da garagem tinha mesmo de ser resolvido”, recorda, contando que, mais tarde, percebeu que não devia ter formalizado definitivamente a compra.

Poucos meses depois, as primeiras chuvas do outono deixaram mais um problema a descoberto: havia infiltrações em vários pontos da casa, situada no último andar de um prédio com 3 apartamentos, e a água chegava ao hall, quartos e à cozinha. “Foi horrível ver aquilo. Tinha decidido vender a minha antiga moradia porque tinha medo de ser enganada com as obras e depois aconteceu-me isto. No início, tentei conversar com o antigo proprietário, mas foi arranjando desculpas para o problema e decidi pôr uma ação em tribunal”, conta a funcionária pública que, neste momento, partilha o quarto com a mãe porque os restantes espaços da casa estão a ser reabilitados. “Arrependo-me de não ter tido mais cautela. Se fosse hoje, teria pago uma visita técnica ao apartamento e recorrido a um advogado mais cedo”, assume.

Nos últimos meses, Céu Carrilho conseguiu que o chão fosse substituído e o telhado arranjado, custos que foram em parte suportados pelo condomínio. Mas ainda há obras para fazer. “Não vou desistir de resolver o problema. Quero ter a casa arranjada e ser ressarcida por todo o prejuízo que tive. Só em obras gastei mais de quatro mil euros.”

Os 5 maiores arrependimentos da nossa vida

Depois de ter passado algum tempo em unidades de cuidados paliativos e de ter acompanhado pessoas em fase terminal, a australiana Bronnie Ware decidiu escrever sobre os arrependimentos que muitos homens e mulheres manifestam no fim da vida. O texto, publicado inicialmente no seu blogue, tornou-se um sucesso e acabou por dar origem ao livro Os Cinco Maiores Arrependimentos antes de Morrer.

A obra, atualmente traduzida em 32 línguas, baseia-se nas cinco afirmações que a autora ouviu mais vezes. São elas:

  • Gostaria de ter tido coragem de viver uma vida fiel a mim mesmo, e não a vida que os outros esperavam de mim.
  • Gostaria de não ter trabalhado tanto.
  • Gostaria de ter tido coragem para exprimir os meus sentimentos.
  • Gostaria de ter permanecido em contacto com os meus amigos.
  • Gostaria de me ter permitido ser feliz.

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