as horas de expediente, Miguel Sequeira trabalha na banca, na ilha de São Jorge. Quando tira a gravata, assume o papel do senhor Miguel, o proprietário da Make IT Happen Farm e um dos maiores impulsionadores da agricultura biológica na ilha que tem o nome do santo que, montado no seu cavalo branco, enfrentou o dragão e salvou a cidade.
Sonhar é uma ambição de longo prazo. Para Miguel Sequeira, de 47 anos, tudo começou em 2010, quando adquiriu vários terrenos abandonados na costa da Urzelina, na freguesia da ilha de São Jorge, nos Açores. Em 2015, com 30 mil metros quadrados já reunidos, pôs mãos à obra, literalmente, e iniciou a construção dos primeiros alojamentos que dariam origem à Make IT Happen Farm, uma quinta biológica que hoje integra turismo rural, agropecuária sustentável e educação ambiental num projeto que soma marcos importantes e prémios.
Mas já lá vamos. Antes de a Make IT Happen Farm ser um projeto de vida partilhado por Miguel Sequeira e Lénia Lourenço, já o gestor tratava a terra como sua. “Desde miúdo, sempre gostei muito de plantar. Lembro-me de ter 4 ou 5 anos e ir buscar dentes de alho e feijões à minha mãe”, recorda.
Certo dia, lembra-se, pediu “umas sementes de amendoim” ao vizinho e semeou-as. Quando, algum tempo depois, foi arrancá-las e não encontrou nada, pensou que não tinham germinado. Foi então que percebeu que o amendoim estava debaixo da terra. “Fui aprendendo, vendo.”
Quando Miguel tinha 7 anos, a família trocou São Miguel por São Jorge, e a paixão pela terra reforçou-se. “Desde miúdo, tinha bezerros e andava a cavalo em cima de um porco ou de uma vaca. Sempre tive uma relação muito próxima com a natureza”, explica. Mais tarde, trabalhou na agropecuária, na ordenha de vacas, numa empresa de construção e noutra de combustíveis. Em novembro de 1999, entrou na banca.
Sonhar, pensar, planear
Enquanto comprava terrenos e delineava o plano de negócio, Miguel estudava a parte mais prática do projeto. Frequentou workshops e formações em agricultura biológica e perguntava, sobretudo aos mais velhos, como se fazia. “Nesta terra, temos de plantar o que já está adaptado ao nosso ambiente”, afirma.
Queria saber, por exemplo, quais eram as melhores sebes vivas, as que melhor resistem aos ventos fortes e à salinidade típica da ilha. Num desses workshops, viajou até ao Faial para aprender com Avelino Ormonde, fundador da BioFontinhas, uma referência da agricultura biológica dos Açores.
“Achei que era mais um que tinha um alojamento e queria formação só para parecer bem, como tantos que andam por aí”, recorda Avelino ao telefone. “Mas encontrei-o com aquela paixão toda.”
No Faial, Miguel fez uma formação de 24 horas, promovida pela associação Trybio, que lhe deu as bases para desenvolver a agricultura biológica. “Fomos sempre trabalhando em conjunto no crescimento do espaço”, refere Avelino. “Tanto na agricultura biológica como na agrofloresta, nos sistemas e unidades de produção. O Miguel é curioso, estudioso e adora fazer bricolage”, continua.
“Sabe aquela publicidade antiga da Telecel: ‘Onde você estiver, está lá?’”, pergunta Célio Santos, engenheiro apaixonado pela agricultura biológica. “Eu participava em todos os eventos que podia sobre o tema e o Miguel também estava lá: em São Miguel, em São Jorge. Em todo o lado”, recorda.
Antes de o conhecer pessoalmente, Célio já tinha ouvido falar muito sobre Miguel, sobretudo devido aos “inúmeros investimentos” que faz no setor agrícola. “Mantemos uma proximidade muito grande. Foi através do Miguel que os produtos biológicos foram introduzidos no plano da Associação de Agricultores da ilha de São Jorge”, afirma.
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Do alojamento ao sonho verde
No terreno da Urzelina, as primeiras construções incluíram a casa onde Miguel e Lénia vivem com o filho recém-nascido, bem como os quartos destinados ao turismo: seis T0, um conceito que combina hostel com o conforto do quarto típico de hotel. Cada unidade é independente, mas existe uma zona comum com cerca de 80 metros quadrados equipada com cozinha, sala de estar e área de refeições. “Queremos que os visitantes estejam todos juntos e troquem experiências. Ligamos pessoas”, explica Miguel Sequeira.
Os edifícios foram construídos com materiais locais, como pedra basáltica, banacinas e cinzas vulcânicas [ver na caixa porquê], de modo a promover a integração na paisagem, a eficiência energética e a redução da pegada ecológica. Estes materiais contribuem ainda para o isolamento térmico e acústico. “Não é que o clima seja mau – um dia frio são 10 graus –, mas para os açorianos ventos de 100 km/h é normal.”
Para dar um toque pessoal aos alojamentos, Miguel recuperou as portas de madeira que pertenciam à casa do seu avô. “Foram feitas à mão, não havia máquinas”, sorri. O revestimento das paredes exteriores dos quartos foi colocado manualmente por artesãos, garantindo não só o isolamento, mas também a presença da pedra natural. “Assim evitamos estar sempre a pintar.”
Além das paredes reforçadas, as árvores de abrigo, as cortinas vegetais e a orientação das casas – viradas a sul, para a ilha do Pico – são um fator de proteção adicional contra o vento.
A quinta gera cerca de 50% da energia elétrica através de painéis solares, sem recurso a baterias, com injeção direta na rede e consumo imediato. Possui ainda um sistema de captação e armazenamento de águas pluviais com capacidade para 250 mil litros, utilizado para a rega e manutenção dos pátios exteriores.
Os visitantes são, na sua maioria, estrangeiros (cerca de 95%), começam a chegar no início de abril e partem em outubro. “Somos uma ilha mais periférica e não temos ligações diretas ao continente, por isso há menos turistas no inverno”, lamenta Miguel.
Um negócio biológico
Após ter concluído a construção dos alojamentos, Miguel avançou para a segunda fase do projeto: a produção de alimentos ecológicos. O objetivo era, de início, “alimentar” os visitantes com produtos naturais e sem químicos. “Os estrangeiros, os alemães e holandeses, levam a sustentabilidade muito a sério. Estão muito mais avançados do que nós. Eles não falam nela, eles vivem-na.”
Entre os produtos que produz destacam-se a banana, abacate, manga, diospiro, citrinos, castanha, morango, macadâmia, goji, araçá, goiaba, café e uma variedade de vegetais: batata, alho, cebola, alface, rúcula, ervas aromáticas, pétalas de fumos e mostarda.
Miguel e Lénia vendem os produtos diretamente aos clientes, mas também fornecem restaurantes e mercearias de São Jorge. “É uma forma de também garantir alguma liquidez nos meses mais frios do ano, quando há menos turistas”, explica o proprietário da Make IT Happen Farm.
A quinta conta ainda com vários animais: galinhas, porcos, patos, cabras, coelhos, uma burra e cães. Ajudam a produzir composto e limpam os bosques para plantar novos hortícolas.
Segundo Avelino Ormonde, Miguel Sequeira é aquilo a que os anglo-saxónicos chamam fast learner, alguém que aprende rápido. “Esteve comigo na BioFontinhas, foi para casa e depois montou uma estufa enorme. Tem tanques, reservatórios de água. Faz compostagem como lhe ensinámos e vira-se sozinho”, revela.
O especialista em agricultura biológica acredita que a visão sustentável dos hóspedes incentivou Miguel a diversificar a produção. “Os estrangeiros gostam muito de comer coisas naturais e sem químicos, por isso o Miguel começou a aprofundar o tema. Foi o primeiro a fazer saladas já embaladas com minifolhas, prontas a consumir”, refere. Além disso, revela uma atenção constante à evolução do projeto. “Quando lá vou tem sempre uma coisa nova para me mostrar.”
Como o vulcão da Urzelina moldou a terra
No final da manhã de domingo, 1 de maio de 1808, uma grande nuvem de fogo ergueu-se sobre a freguesia da Urzelina, na ilha de São Jorge, nos Açores, originando uma abundante queda de cinzas. A erupção do vulcão da Urzelina prolongou-se por vários dias e mudou a paisagem da, até então, pacata ilha açoriana.
Mais de 200 anos depois, as marcas da atividade vulcânica ainda são visíveis. “Na quinta, se cavarmos 30 centímetros, temos areia preta, cinza vulcânica”, explica Miguel Sequeira, proprietário da Make IT Happen Farm.
Na quinta, que vive com base na sustentabilidade, tudo começa com a terra. Em busca pela autossuficiência, Miguel imaginou um projeto que integra alojamento turístico, agricultura biológica certificada e educação ambiental. Um exemplo vivo de como é possível regenerar o território, valorizar os recursos endógenos e criar um impacto positivo. Um modelo circular e sustentável que é também um espaço de partilha e aprendizagem.
“O Miguel é persistente e assertivo. E tem motivação”, assegura o amigo Célio Santos. “Consegue adaptar-se, produzir e demonstrar ao mercado que produzir biológico é fácil. O que ele faz ao nível da economia circular é uma coisa impressionante.”
Segundo Célio, que é também representante da Associação de Agricultores da Ilha de São Jorge, é de “tirar o chapéu” à harmonia que, na Make IT Happen Farm, existe entre “o alojamento local, a natureza, a agricultura, a fruticultura, a horticultura e as inúmeras iniciativas intergeracionais” promovidas por Miguel.
“Ele, sozinho, foi a razão pela qual a agricultura biológica passou a ter mais ênfase em São Jorge.”
Educação ambiental intergeracional
Além de acolher visitantes de todo o mundo, a quinta recebe grupos escolares, unidades seniores, universidades e centros educativos, com o objetivo de promover o conhecimento sobre práticas regenerativas, biodiversidade, gestão eficiente da água e energias renováveis.
“As crianças plantam sempre uma alface e levam-na para casa, em copos de iogurte. Já os mais velhos tomam um lanche na quinta”, diz Miguel.
O espaço organiza ainda, regularmente, fóruns sobre sustentabilidade, além de participar ativamente em eventos e associações ligadas à agricultura biológica e ao turismo responsável. Miguel Sequeira também tem sido convidado para palestras em universidades e escolas, onde partilha o seu percurso, os desafios que enfrentou e as soluções implementadas no terreno.
Nestas palestras, Miguel faz questão de sublinhar que a autonomia alimentar é uma das suas maiores preocupações. “Estamos numa ilha. Às vezes, as pessoas ficam em pânico por faltar combustível. Mas o verdadeiro problema é quando faltam os alimentos. Podemos viver sem luz, ainda que com algumas dificuldades. Mas não sem alimentos”, alerta.
Aos poucos, o projeto vai ganhando reconhecimento fora da ilha. Este ano, a Make IT Happen Farm chegou aos finalistas do Prémio AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal), na categoria “Sustentabilidade Ambiental”.
Montepio e Make IT Happen Farm: como conciliar?
Na ilha de São Jorge todos conhecem a Make IT Happen Farm. Mas o facto de Miguel Sequeira estar há mais de 25 anos no balcão do Banco também ajuda. Para o gestor, conciliar as duas paixões é “complexo”, mas diz que a quinta o ajuda a descomprimir. “Gosto de pessoas e a minha missão no banco é ajudar as pessoas a realizarem os sonhos. Mas depois não desligo, não fecho a porta e [o trabalho] vai sempre comigo”, confessa.
Mas quando chega à quinta, o cenário muda. “Chegar lá, vestir os calções, uma t-shirt, uns crocs ou andar descalço, ver os animais andarem ali a correr de um lado para o outro… receber um abraço de uma burra. É isso que me dá energia.”
Quanto à Make IT Happen Farm, ainda está em expansão. “O nosso objetivo é que a quinta não precise de nada do exterior: energia, água, composto… vamos otimizá-la ao máximo.”
Os amigos Avelino e Célio acreditam que Miguel vai conseguir. “É uma pessoa muito focada e dedicada. Queria fazer uma agrofloresta, por isso comprou um terreno e já está a montá-la. Nunca pára”, admite Avelino Ormonde.
“Há muita falta de mão de obra para a agricultura, mas ele adapta-se”, refere Célio Santos. “Investiu na tecnologia e hoje controla tudo pelo telemóvel: a temperatura, a humidade, o fecho e a abertura da estufa, a distribuição dos bioestimulantes e biofertilizantes. A quinta é o grande sonho dele e tem a ânsia de a fazer crescer.”
O próximo objetivo de Miguel Sequeira é tornar a quinta da Urzelina neutra em carbono até 2030. Faltam cinco anos. Conseguirá fazê-lo?
Make IT Happen Farm: uma quinta para toda a semana
Com vista para o Pico e com o Atlântico como pano de fundo, a Make IT Happen Farm é o refúgio perfeito para quem procura natureza, tranquilidade e autenticidade. Localizada na pitoresca Urzelina, na ilha de São Jorge, esta quinta biológica combina alojamento confortável com experiências ligadas à terra e à sustentabilidade.
Aqui, os dias começam com pequenos-almoços naturais, prosseguem entre hortas, animais e trilhos verdes e terminam com o pôr do sol num dos locais mais ocidentais da Europa. Seja para descansar, aprender ou explorar, a Make IT Happen Farm oferece motivos para ficar… todos os dias da semana.
A Make IT Happen Farm, que nasceu do sonho de Miguel Sequeira, , desafia o tempo e os modelos convencionais de turismo. É muito mais do que um alojamento rural: é um projeto vivo de sustentabilidade, regeneração e partilha.
Integrada na paisagem vulcânica da ilha, a quinta acolhe hóspedes, maioritariamente estrangeiros, que procuram tranquilidade, contacto com a natureza e um modo de vida mais simples e consciente. Uma semana aqui pode não chegar para tudo. Mas é, seguramente, um bom começo.