“Prefiro fazer um álbum do que ir de férias”

“Prefiro fazer um álbum do que ir de férias”
15 minutos de leitura
Fotografias de Maria João Gala
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Bárbara Bandeira já não dá muitas entrevistas. Aos 24 anos, a compositora encontrou o seu sweet spot entre os concertos, a criação musical e a recente aventura pelo mundo da moda. Quando a encontrámos no camarim do Coliseu do Porto, rodeada das peças da sua primeira coleção e pouco depois de ter feito o soundcheck para o concerto de aniversário do Montepio Associação Mutualista, deparámo-nos com uma explosão criativa que ultrapassa em muito a fronteira das canções, abraçando a influência digital, a estética e a autenticidade como extensão natural da sua arte.

Alguma vez cantaste no Coliseu do Porto?

Sim, no ano passado, com o André [Neto, conhecido por Dillaz]. Cantei em participação, mas quero fazê-lo em nome próprio. Não sei porque ainda não aconteceu. [Fala para a assistente, Ariel] Temos de marcar isso.

Que músicas vais cantar hoje e porquê?

Neste concerto, com tantos artistas, escolhi as canções que acho que o público quer ouvir. Selecionei o Onde Vais, o Como Tu, canções que sei que as pessoas estão muito expectantes para ouvir. Como a minha participação hoje será mais reduzida, selecionei as músicas que acho que o público vai gostar mais.

Para preparar esta entrevista ouvi tudo o que lançaste na carreira e nota-se uma grande diferença, ou evolução, ao longo dos anos. Essa evolução foi mais fruto de maturidade pessoal ou de experimentação artística?

Comecei muito nova a cantar a sério, com 14 ou 15 anos. Aquilo que eu tinha para dizer com essa idade não é a mesma coisa que o que tenho para dizer aos 24. A minha evolução artística foi muito fruto da minha evolução pessoal e da experiência. Sinto que demorou algum tempo até encontrarmos o que gostamos de fazer, como queremos soar e dizer. Demorei algum tempo a chegar a este ponto, mas finalmente sinto-me 100% eu.

Mas ainda só estás no início da carreira, nunca se sabe para onde ela irá.

São dez anos. Sei que soa a início de carreira, mas para mim não é, porque, como dizes, já fui muita coisa até chegar aqui e é um processo longo que espero genuinamente que esteja só no início. Ouvir pessoas dizer que estou no início da carreira soa bem, mas acaba por ser uma ilusão pelo facto de ser tão nova.

Bárbara Bandeira no camarim do Coliseu do Porto, minutos antes de subir ao palco para celebrar o 185º aniversário do Montepio Associação Mutualista

Achas que os músicos hoje têm que ser camaleónicos, quase mini-David Bowies, sempre à procura da nova tendência? Sentes isso na tua própria carreira?

Sim, existe uma necessidade de sermos mais camaleónicos hoje em dia, porque tudo é mais rápido e as pessoas consomem música de uma forma diferente.  Mas também existe, da minha parte, uma vontade muito grande de explorar várias vertentes da música. Não gosto da ideia de me limitar a um género musical. Acho que tenho facilidade e gosto em experimentar coisas novas. O projeto Lusa é, de certa forma, uma desculpa para isso acontecer.

Falas do teu projeto Lusa, pensado em quatro atos que exploram diferentes facetas da tua identidade artística. O segundo ato vai ser diferente do primeiro?

Será absolutamente diferente do primeiro. Aliás, é isso que podem esperar de todos os quatro atos: cada um tem um registo musical diferente e permite-me explorar várias Bárbaras.

Quando vai sair este segundo ato?

Até ao final do ano, ainda não há data.

Como é que o teu público, que gosta de ti agora, vai reagir a outro registo musical em dezembro?

Não tenho medo disso, porque sinto que tenho uma base muito sólida de fãs, tenho muita confiança neles e eles em mim. Esta confiança tem vindo a ser construída ao longo dos últimos anos. A realidade é que, independentemente de mudarmos de registo musical, eu sou a mesma. Tento sempre manter-me fiel àquilo que sou artisticamente e ao que as pessoas gostam de ouvir.

Já o tens feito, aliás.

Sim. Por exemplo, na música Como Tu estou a cantar de uma forma completamente diferente do que canto em Onde Vais. Tudo é diferente: a produção vocal, a escrita. Ainda assim, sinto que há público para ambos os estilos e há um ponto de encontro, que é o mais difícil de acontecer. É ótimo sermos camaleónicos, mas para isso acontecer temos de manter algo constante, e espero que seja a minha voz.

E a tua voz tem elasticidade para fazer isso?

Espero que sim [risos]. Acho que sim, acho que sim.

Bárbara Bandeira fotografada por Maria João Gala no ensaio para o concerto dos 185 anos do Montepio Associação Mutualista

As músicas têm o seu tempo

Tens a necessidade de estar sempre a compor ou procuras períodos criativos específicos para fazer tudo de seguida?

Gosto muito de trabalhar.

Que é algo comum à tua geração.

[Risos] Não me quero posicionar sobre isso. Vai de pessoa para pessoa. Tenho muito gosto naquilo que faço, talvez por ter crescido numa casa de músicos e ter visto o meu pai fazê-lo desde sempre. Para mim, não é trabalho: ir para estúdio é fazer o que amo e acabo por ser obcecada com isso.

Tocas guitarra e piano?

Toco piano, mas sou autodidata. Foi assim que nasceu Onde Vais.

Como é o teu processo criativo?

Depende muito. No projeto Lusa estou a aprender diferentes processos criativos para diferentes tipos de música. Enquanto a música Onde Vais nasce ao piano, em casa, de forma bastante orgânica, há outras canções em que preciso de uma base, de um beat, e experimento 150 ideias até ver o que soa melhor. São processos diferentes e nenhum é mais válido que o outro. Mas tenho percebido que consigo ajustar-me a cada um deles e ao que a canção necessita. Depende muito do que quero fazer no momento.

E guardas tudo o que vais criando para mais tarde revisitar?

Raramente repesco músicas que já tenham algum tempo. Depende da intemporalidade da canção. Por exemplo, se não tivesse lançado Onde Vais naquela altura, provavelmente daqui a 10 anos continuaria a fazer sentido. Mas várias sonoridades deixam de fazer sentido com o tempo.

Com a letra é normal. Mas falas também das melodias?

Sim, porque tem a ver com a fase de vida e com o que faz sentido naquele momento. Algumas coisas que lancei há uns anos hoje já não fazem tanto sentido. Mas há canções intemporais, como Onde Vais, que sei que continuarei a cantar daqui a 10 anos.

A música “Onde Vais”, um dueto com Carminho, é uma das que a compositora revisita sempre nos seus concertos

Como sabes que a música está terminada?

É um feeling. Sou obcecada com o que faço e ouço as músicas centenas de vezes antes de serem lançadas, até sentir que estão completas. Às vezes as músicas precisam de muito menos do que penso. É uma questão de perceber que a canção não precisa de mais nada.

E tens pessoas que te ajudam neste processo?

Sim. Ao longo dos anos construí uma equipa de confiança. A Carolina [Deslandes] compõe comigo. O Migz [Bruno Ribeiro] e o Ariel [Bernardo Mizrahi] são os meus produtores. Quando surgem dúvidas, valorizo muito a opinião deles. É importante ouvir o que nos rodeia: as músicas são para as pessoas, não só para nós.

Há canções que te dizem mais que outras?

Sim, e isso depende do momento e do motivo pelo qual foram criadas. Onde Vais diz-me muito pelo contexto em que foi escrita. Outras nascem de necessidades sonoras específicas, mas não são menos importantes. Há canções que têm de acontecer, e essas são especiais.

Qual é a tua música favorita?

É escolher entre filhos. Se tivesse de escolher, seria Onde Vais. A canção Como Tu é muito especial porque abriu-me portas e tocou muitas pessoas. Mas Onde Vais abriu-me portas diferentes.

O novo álbum da Taylor Swift está a ser arrasado pela crítica. A fama é efémera?

Ainda não ouvi. Mas isso só acontece com quem não tem visibilidade ou exposição. Hoje, olho para a crítica como algo que reflete relevância. Comecei muito nova e nem sempre compreendia o fenómeno da crítica. Faço música para as pessoas, e se existe uma opinião, boa ou má, é porque a música tocou alguém. No caso da Taylor Swift, é normal que as opiniões se dividam.

Há uns tempos entrevistei a Mallu Magalhães, que foi um fenómeno no Brasil porque aos 15 anos era famosa. E falámos precisamente de não ter adolescência. Vejo-te também um pouco neste registo. Sentes que houve coisas que perdeste por causa da carreira ou conseguiste equilibrar?

Inevitavelmente, perde-se alguma privacidade. Cresci aos olhos das pessoas, e isso limita a privacidade. Mas não sinto, de todo, que isso tenha sido mau, porque se calhar até fiz menos coisas más, que poderia ter feito se tivesse tido uma infância mais protegida. Desde muito nova que tenho muito cuidado com o que faço e sinto-me responsável pelas minhas ações. Isso acabou por ajudar-me.

“Sou obcecada com o que faço e ouço as músicas centenas de vezes antes de serem lançadas”, diz Bárbara Bandeira

Métricas, beats e featurings

Quero falar de três músicas. A primeira é “Zona Sul”, onde a forma como divides as palavras é bastante singular. Por exemplo, há momentos em que “comes” a palavra “preciso” e outros em que fragmentas “desemprego” em “desem-prego”. Essa escolha é algo que planeias cuidadosamente ou acontece de forma espontânea quando estás a cantar?

É algo que me foi incutido pelo Gerson [Costa, membro dos Wet Bed Gang], o Gson, que é rapper e trabalha comigo. Ele apresentou-me uma forma de cantar, e de dizer as palavras, com uma métrica completamente diferente do que se faz normalmente na música pop. Há uns anos que estou a juntar o universo do pop e do urbano e isso reflete-se na forma de cantar, nas palavras e nas rimas imperfeitas, mas que soam perfeitas.

O Sérgio Godinho ficará orgulhoso. Tens de ensaiar muito para não te enganares? Ajustas a melodia às letras ou já está tão incutido na tua memória que sai naturalmente?

Canto as músicas tantas vezes antes delas saírem que acabo por me ensaiar a mim própria. Não é totalmente intuitivo.

Quem é Bárbara Bandeira?

Bárbara Bandeira, de 24 anos, é uma das vozes mais marcantes da música portuguesa atual. Começou a cantar a sério aos 14 anos e, desde então, construiu uma carreira sólida que alia pop, influências urbanas e uma sensibilidade única para a escrita de letras que refletem a sua própria evolução pessoal. Ao longo de uma década de trabalho, lançou sucessos como Como Tu e Onde Vais, conquistando fãs de todas as idades e mostrando que é possível crescer na música sem perder a autenticidade.

No seu último registo musical, Lusa, Bárbara propõe-se explorar diferentes facetas da música portuguesa em quatro atos que serão lançados, periodicamente, até ao final de 2026. Recentemente, aventurou-se também pelo mundo da moda, lançando a sua própria coleção, e começou a explorar a pintura, demonstrando que a criatividade é transversal a várias áreas da sua vida.

Reconhecida pela versatilidade vocal, pelo gosto em experimentar e pela disciplina que mantém desde cedo, Bárbara equilibra talento e trabalho árduo com uma abordagem intuitiva à criação musical. A sua carreira é marcada por colaborações importantes, como o dueto com Carminho em Onde Vais, e por uma relação próxima e confiante com o público, que a acompanha desde os primeiros passos até às inovações artísticas.

Aos 24 anos, Bárbara Bandeira encontrou o equilíbrio perfeito entre os palcos, o estúdio, a criação e os projetos paralelos, consolidando-se como uma referência da nova geração de artistas portugueses. Quais serão os próximos passos?

A segunda música é Onde Vais. Quando convidas a Carminho para fazer a música, ela tem 15 anos de carreira e tu estás a pôr a tua voz diretamente em competição com a dela. É preciso ter muita confiança para fazer isso.

Não vejo isso dessa forma e não acho que uma colaboração entre duas artistas seja uma comparação, mas sim uma junção. No final do dia, estamos a servir uma canção e não num programa de talentos. Vejo isso como uma honra e vontade de ouvir a minha voz juntamente com a voz desta artista que eu admiro e gosto tanto. Sinceramente, já ouvi algumas pessoas olharem para certas canções e certas junções de artistas dessa forma e não concordo. Como se tem visto nos últimos anos, quase são mais os featurings [palavra anglo-saxónica que significa uma espécie de dueto] do que propriamente as canções a solo. Tem havido bastante mais abertura para que isso aconteça. Quando convidei a Carminho foi muito mais no sentido de me sentir honrada por cantar com uma artista que sempre ouvi, que sempre adorei.

A terceira música é Flores, do teu mais recente trabalho. O refrão é minimalista: ‘traz flores’. A melodia guiou a letra?

Sim. Esta canção nasceu porque escrevi um texto quando estava em estúdio com a Jenny, uma songwriter brasileira que conheci no Rio de Janeiro. Tínhamos o beat e ela perguntou o que eu queria cantar, por isso escrevi este texto. [Começa a cantar]: “Antes que eu desapareça, antes que eu me vá de vez / Traz flores]. Isto foi o mote. A partir daqui agarrei no microfone e comecei a fazer várias melodias, até que me sai o“Traaaaz / Traaaaz”. Ou seja, a canção acabou por vir de um contexto e de um mote que é trazer as flores, mas sinto que foi daqueles casos de que falámos há pouco que também teve de servir o beat, a base harmónica. E daí estar à procura do que fosse melhor.

Antes de escreveres a letra acreditarias que duas palavras trariam tanta intensidade a uma música?

Não. Eu tenho explorado muito esta forma de cantar, esses runs, como se diz em inglês. Gosto muito desses melismas e acho que eles acabam por aguentar muito bem um refrão quando são feitos com a melodia e a harmonia certas. Foi o que aconteceu nesta canção. Aliás, tentámos colocar outras coisas no refrão e não ficou tão bem.

Além da gestão cuidadosa da carreira artística, Bárbara Bandeira pensa na parte financeira. “Não gosto de ver a música como a minha única fonte de rendimento.”

Bárbara e o dinheiro

Pensas na tua vida financeira dentro de 15 ou 20 anos? Tentas poupar para essa altura?

Como comecei muito cedo a ganhar dinheiro, não tinha muita noção do que estava a fazer. Mas também ninguém nos ensina, o que faz com que tudo seja um bocado mais complicado. A não ser que seja a nossa família, os nossos pais, ou que procuremos saber por nós, que é coisa que, aos 14 ou 15 anos, muita pouca gente faz.

Agora sabem na disciplina de cidadania.

Ah, fico contente [risos]. Na minha altura não havia. Mas a verdade é que comecei a ganhar dinheiro muito cedo e isso fez com que não tivesse muita noção do que era poupar e do que significava. Mas isso fez com que tivesse traçado os meus objetivos há já muitos anos. E agora acabei de comprar a minha primeira casa, que era um objetivo que tinha. Nunca se sabe o dia de amanhã e, na minha profissão, hoje está tudo bem e amanhã está tudo mal. O meu pai sempre me passou isso, sempre tive isso muito presente. Para mim é muito importante ter investimentos fora da música e a marca de roupa acaba por ser um bocado isso, também. Quero sentir a segurança de a música ser algo que faço por amor e não por dinheiro. Tenho-me preparado muito bem, nos últimos anos, para tal.

É importante diversificar os investimentos, como se diz no meio financeiro.

Sim e não gosto de ver a música como a minha única fonte de rendimento.

Não vamos misturar amor e trabalho.

Sim, caso contrário, depois, fica mais difícil se algum dia não correr bem. Mas o facto de eu ter começado muito cedo permite-me ter aprendido, também cedo, a poder aplicar estas coisas aos 24 anos.

Há muitos profissionais, e muitas famílias, que dependem de ti, do teu sucesso, para a sua própria vida. Como geres esta tensão no dia a dia?

Somos 20 e tal pessoas na estrada e sinto essa responsabilidade. Graças a Deus que tenho uma agência que trabalha muito bem, a Sons em Trânsito, que garante que está tudo bem. Sou muito cuidadosa com datas, com quando pago. Nisso saio ao meu pai. Ele é o tipo de pessoa que não deixa ninguém ir embora sem receber. Tenho esse cuidado e fico muito chateada quando isso não acontece. Tento gerir da forma que queria que gerissem comigo: ser correta, ser certa, porque tenho consciência que as pessoas também têm a sua vida, o seu trabalho e as suas famílias.

10 perguntas-relâmpago a Bárbara Bandeira

1. O que fazes quando passa uma música tua na rádio?

Depende do dia. Às vezes mudo de estação, porque já estou farta de ouvir a música. E outras vezes, quando estou mais animada, fico toda contente.

2. Qual é a música que o público mais gosta?

Como Tu.

3. Qual a música que demoraste menos tempo a compor?

Onde Vais. O verso e o refrão demoraram 20 a 30 minutos, e acabei a canção noutra meia hora noutro dia. Portanto, levou cerca de uma hora no total.

4. Qual a maior loucura que já fizeste por amor à música?

Quem me vê trabalhar sabe que não tenho outra prioridade além da música e até deixo de fazer muitas coisas para investir, até financeiramente, no meu sonho e no que gosto de fazer. Muita gente veria isto como uma loucura. Prefiro fazer um álbum do que ir de férias. E esta dedicação, multiplicada por vários anos consecutivos, acaba por ser uma verdadeira loucura.

5. Quem te deu o melhor conselho no mundo do espetáculo e qual foi?

O que mais tenho presente é o meu pai a dizer-me que isto é cíclico e que o que hoje é verdade, amanhã já não é. Disse-me para aproveitar as coisas enquanto duram e existem. É a consciência de que nada é garantido que mais me marcou.

6. Nas entrevistas, qual a pergunta que mais te fazem?

Já não dou entrevistas há muito tempo. Hoje em dia não sei, mas dantes era: “Filha de peixe sabe nadar, não é?”

7. Qual das tuas músicas representa mais a Bárbara fora dos palcos?

A Não Gosta, talvez [risos].

8. Tens 999 mil seguidores no Instagram. Sente-se poderosa?

Sinto-me reconhecida, ouvida e vista.

9. Diz-nos uma coisa de ti que o público não saiba.

Tenho começado a pintar. Ainda não sou incrível, mas gostava de ser.

10. Se pudesses dar ao Chris Martin um objeto para ele colocar em cima da televisão da sala, qual seria?

Já dei: uma guitarra portuguesa.

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