A minha vida começou aos 50 anos

A minha vida começou aos 50 anos
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Fotografias de Maria João Gala e Rodrigo Cabrita
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istórias de quem decidiu viver melhor a fazer o que gosta, a ter mais saúde, a ser feliz. Porque vamos sempre a tempo de cumprir novos objetivos e de realizar sonhos.

Estou nos 50, e agora? A pergunta começa a ressoar na cabeça de muitas pessoas talvez ainda antes de soprarem as velas no bolo que confirma a entrada na que se rotulou “meia-idade”. Muitos decidem – ou são forçados, por razões de saúde, profissionais – recomeçar.

Para Carla Pontes, coordenadora da Unidade de Longevidade do Hospital CUF Tejo, este é um marco importante e muito relevante, porque as mudanças que ocorrem são a diferentes níveis (familiares, profissionais, do ponto vista relacional, biológico). “Convergem alterações em vários eixos da vida.” Mas não deve ser um fim, muito pelo contrário. “Com 50 anos, as pessoas têm a vida pela frente. Há mulheres que resolvem fazer um doutoramento porque os filhos saem de casa. Gestores que decidem candidatar-se à presidência de clubes de futebol. Homens e mulheres que querem subir uma montanha. É extraordinário ver estas mudanças a acontecerem e as pessoas sentirem-se bem por poderem mostrá-lo e afirmá-lo”, enuncia a especialista.

Pedro, Luís, Margarida e Nilda atreveram-se a mudar de profissão, a entrar na universidade e até a embarcarem na aventura da maternidade e num avião para outro país. Apesar dos baixos que, naturalmente, também foram vivendo, relatam de seguida os passos e os segredos para se sentirem realizados e felizes aos 50, aos 60 e aos 70 anos.

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Pedro Norton de Matos

O grande susto que levou à mudança

Pedro Norton de Matos diz que foi uma “epifania”. Nas vésperas de fazer 50 anos, um acidente vascular cerebral, felizmente sem sequelas, deu-lhe a oportunidade de analisar a sua vida e mudá-la radicalmente. Era gestor, com um cargo de topo numa multinacional e viagens semanais para vários pontos do globo. Deitado na cama do hospital, ainda nos cuidados intensivos, prometeu à mulher e às filhas que a partir daí o seu ritmo diário seria muito diferente.

“Um enfarte parece que é o organismo a dizer que está farto. Os estudiosos do comportamento referem que as mudanças mais significativas ocorrem nos momentos extremos. Sinto-me um privilegiado, porque há pessoas que passam pelo mesmo e não ficam para contar a história. Foi o wake up call que acelerou algo que, em situações normais, aconteceria alguns anos mais tarde”, descreve o gestor que, entre muitos cargos relevantes nacionais e internacionais, foi CEO da operadora ONI.

Mudar não significou parar. Pelo contrário. “O que não perdi, se calhar fruto do treino e característica da personalidade, é o multitasking. Sempre me realizei estando em vários projetos. Mas é completamente diferente o ritmo e a responsabilidade”, explica.

Se lhe perguntarem como se define hoje, aos 70 anos, responde que é “agricultor”. Não só porque na casa onde agora vive, num meio rural em Ponte de Lima (muito longe da azáfama da capital portuguesa e dos seus arredores), trata da horta e das flores, mas porque um jardineiro acredita no futuro. “Quando semeia acredita que vai colher. Quando poda, acredita no novo formato [que criou], que é mais funcional. E quando faz um transplante de uma árvore, acredita que o transplante vai resultar. Há uma prova de fé, de acreditar.” E nestas já duas décadas depois do enfarte, Pedro Norton de Matos tem semeado ideias e colhido muitos projetos.

De espírito inquieto e empreendedor, lançou festivais como o Greenfest e o Bluefest, criou uma academia de literacia para a sustentabilidade, fez certificação em coaching e lançou uma empresa na área da gestão de mudança, com o objetivo de ajudar gestores e outros responsáveis do mundo empresarial, como ele, a ganharem ou recuperarem “o brilho nos olhos, a paixão, o compromisso”.

A metáfora que usa da jardinagem permite-lhe explicar como agora faz tudo isso (e muito mais, incluindo atividade física ao ar livre, caminhadas) a um ritmo menos acelerado. “O estar em contacto permanente com a natureza ensina-nos a viver ao ritmo das coisas da natureza. Com a luz artificial, fomo-nos afastando do ciclo circadiano e acabamos por pagar a fatura. Na natureza, que é um laboratório vivo, as coisas têm um determinado tempo. O horticultor, jardineiro, sente o ritmo das estações. E esse ritmo apazigua”, explica.

Luís Faria

O homem que se reinventa com o desemprego

Além da saúde, há outras razões que empurram um cinquentenário para outra atividade profissional, entre as quais a situação de desemprego. Com a idade da reforma a mais de década e meia de distância, muitos têm de ultrapassar a ideia de que são velhos para trabalhar.

Profissional na área financeira desde 1991, Luís Faria foi apanhado por esta realidade em 2020. Quando tinha a carreira estabilizada e uma rotina quotidiana, foi-lhe proposto sair durante um processo que conjugou redução de pessoal mais antigo com a caça ao talento jovem. Tinha 56 anos. “Há ali dois sentimentos: desilusão e revolta, porque é uma vida inteira ligado a uma instituição. Mas, depois, há que olhar para o outro lado: temos sempre outras coisas a fazer. As pessoas com quem falei também me deram esse incentivo, diziam-me que há mais mundo.” E havia. “Nunca senti que não iria conseguir fazer mais nada. Desde que nos sintamos bem, a nossa experiência, os conhecimentos que adquirimos, vão de certeza ajudar-nos quando queremos enveredar por outra atividade”, afirma.

Seguiu-se um período de reflexão e um primeiro desafio, para trabalhar na área imobiliária. “Ainda fiz o curso para promotor, mas senti que era a mesma coisa de estar muito preso [a uma rotina]”, diz. A seguir, outro convite, feito por dois amigos: criar um clube de padel em Castanheira do Ribatejo, onde vive. “É um desporto em ascensão no país e, como eu tinha formação na área da gestão, podia dar uma ajuda na empresa”, explica. E assim nasceu o JC Padel Center, que “tem tido um crescimento muito bom” desde que arrancou.

Esta mudança profissional, inicialmente forçada, até lhe trouxe melhor qualidade de vida: “Tenho mais liberdade em termos de horários, tenho as manhãs mais libertas porque as pessoas jogam só a partir das 18h, por causa dos empregos. De manhã, tenho atividades relacionadas com o bem-estar, faço atividade física, passeio. E à tarde, dedico-me à gestão do clube.” Como este é um desporto de equipa, sempre que é necessário mais um jogador, Luís Faria, atualmente com 61 anos, está pronto a entrar em campo. “O padel tornou-se o meu desporto”, resume o também Associado Montepio.

A médica Carla Pontes sublinha que as pessoas gostam de mostrar que estão a envelhecer em pleno e agarrando a vida. “Não é por terem 50 ou 60 anos que não podem cumprir os sonhos.”

Margarida Boto

Tirar um curso aos 60 anos

Foi a concretização de um sonho muito antigo que levou Margarida Boto aos bancos da faculdade. Passaram já mais de seis décadas, mas ainda se recorda da desilusão que sentiu. Teria uns 11 anos quando escutou uma “conversa de adultos, muito baixinho”, entre os padrinhos que a criaram em Sousel, no Alentejo, e o pai dela. Era um casal humilde que lhe deu todos os mimos, mas que não tinha posses para que pudesse prosseguir os estudos noutra cidade. Por isso, os padrinhos pediam ao pai de Margarida que contribuísse financeiramente. Ele respondeu que “não”. “E eu chorei. Fui trabalhando e tirei até ao 12.º ano enquanto criava a minha filha. Não foi fácil”, diz, referindo-se aos esforços extra como mãe solteira desde os 20 anos.

Aos 60, enquanto tentava recuperar da morte inesperada da filha, decidiu tirar um curso superior. A mudança dos arredores de Lisboa para Braga foi, talvez, o último empurrão. “Há 17 anos, durante umas férias, apaixonei-me por Braga. Estive cá em agosto, saí em setembro e, logo em outubro, assinei o arrendamento da casa. E foi a melhor opção que tomei na vida, porque é uma cidade mais tranquila, as pessoas são mais abertas, carinhosas. E tem a Universidade do Minho, que vejo da minha casa. E dali via os meus sonhos de menina que não se puderam concretizar.”

Decidiu candidatar-se à licenciatura em Filosofia pelo contingente de maiores de 23 anos. “Fui ver a média dos que tinham entrado no ano anterior, esforcei-me e fui a segunda a entrar no total de três vagas.”

Adorou o ambiente, os professores, divertiu-se muito com os colegas. Em cinco anos – “demorei mais tempo do que o normal porque não estou a correr”, diz – terminou o curso com a média de 14 valores e inscreveu-se noutra licenciatura, em Arqueologia, sempre apoiada por um amigo dos tempos da juventude que lhe paga os estudos, uma vez que a reforma não chega. “Achei que alguém com formação filosófica tem de ter cultura e fui para Arqueologia. Adquiri cultura geral…!”

Neste outono, regressou à faculdade para começar o mestrado em Filosofia Política. No ano passado esteve parada e o corpo e a mente ressentiram-se. “Tive ciática. Quando abriu o mestrado, a dor ciática desapareceu. Não posso estudar ad aeternum, mas é viciante. Não podia imaginar que estudar fosse aditivo”, afirma. Para já, a universidade continua a permitir-lhe realizar-se. “É algo que devo àquela menina de 11 anos, que chorou porque o pai não a deixou estudar.”

Nilda Lourenço

Um filho e outro país na “meia-idade”

Muitas mudanças ocorreram na vida de Nilda Lourenço quando estava mesmo a chegar aos 50 anos. Casou-se aos 46 e foi mãe aos 49. Aos 56 deixou São Paulo, no Brasil, e mudou-se para Portugal. São esses os temas que aborda nos liveblogues e vídeos que grava e edita sozinha para o Instagram e no Youtube, onde se assume como Mentora de Mulheres 50+. O seu lema é “recomece com propósito”, uma lição que ela mesma colocou em prática em vários momentos da sua vida, incluindo quando já estava em Portugal.

“Decidi [emigrar] em outubro e cinco meses depois já estava a embarcar. Eu tinha uma boa reserva financeira, pelo que o dinheiro não era preocupação. Não estava feliz com o que estava a acontecer no país – a política, a economia – e o meu marido queria muito uma experiência internacional”, conta. Como o objetivo dele era estudar cozinha, inscreveu-se em escolas de hotelaria. Tinham o sonho de se fixar no Porto, mas como ele acabou por ser aceite numa escola de hotelaria em Coimbra, foi aí que esta família de três pessoas se instalou à chegada ao país, em 2019.

Nilda começou a querer registar aqueles primeiros tempos como uma “espécie de diário” para recordar mais tarde, mas também com o tal “propósito” que agora tem como lema no Instagram: tinha 53 anos e “sabia que o futuro seria da tecnologia, do marketing digital, que iria transformar o mercado, revolucionar o planeta”.

No Brasil era gerente de logística, “não entendia nada de tecnologia”, pelo que começou por ver tutoriais e vídeos de outros autores e foi criando os primeiros conteúdos por tentativa e erro. “Eu tinha muita vergonha de falar para a câmara do telemóvel, não sabia editar, gravava dez vezes até sair bem. Aos poucos, fui aprendendo”, refere. Nos primeiros anos, respondia a dúvidas colocadas sobre como fazer a mudança e viver em Portugal, como inscrever as crianças na escola, entre outros temas. Também estudava os monumentos e museus de Coimbra para depois gravar visitas guiadas aos locais.

Nos últimos meses, começou a mudar o nicho para falar quase em exclusivo para as mulheres com mais de 50 anos, como ela. Fez esta alteração no seu público-alvo depois de a sua conta no Youtube ter sido hackeada e ter perdido vídeos com milhares de seguidores. Quando descreve a situação, a voz de Nilda Lourenço quebra e estremece: “Sofri muito”, confessa.

Reinventou-se então mais uma vez: “Acabei de fazer um live que era para ser de 40 minutos e foi quase de hora e meia no qual falei de casar aos 46, de ter um filho aos 49, da mudança aos 53. Há muitas mulheres que têm receio destas mudanças”, afirma. Ela mesma orientou mais uma, subindo com a família no mapa, de Coimbra para o Porto. Tudo aconteceu depois de o marido ter concluído o curso na escola de hotelaria. Tal como ele sempre desejara, foi convidado para trabalhar num restaurante com estrela Michelin na zona de Viseu. As viagens desde Coimbra pesavam cerca de 400 euros no orçamento familiar. E ainda mais penoso era o pouco tempo passado em família. “Perguntámo-nos: porque viemos para cá? Onde queríamos viver? E estamos a fazer isso?” Decidiram então voltar a reinventar-se no Porto, cidade onde o marido trabalha agora como chefe de cozinha. “Há um ano, vendemos a casa em São Paulo e comprámos uma em Gaia, muito bem localizada. Gosto muito de estar aqui.”

``Os 50 são uma altura extraordinária``

Carla Pontes, coordenadora da Unidade de Longevidade da CUF Tejo, explica porque razão chegar aos 50 anos é uma fase cada vez mais apetecível, e desejada, da nossa vida.

Os 50 anos são um marco, porquê?

São uma altura extraordinária, uma fase em que muitas pessoas passam por uma mudança muito grande e se redefinem pessoal, social e profissionalmente. Para muitas pessoas, este marco coincide com a saída dos filhos de casa, mudanças profissionais, alterações hormonais (menopausa e andropausa). Tudo isto coloca as pessoas numa fase de grande introspeção sobre o que já viveram e o que querem viver.

A prevenção é importante antes dos 50? Quais são os principais fatores e cuidados a ter em consideração?

Estamos a viver mais anos, fruto do desenvolvimento tecnológico e da consciência de que temos de viver cuidando de nós, prevenindo o aparecimento de várias doenças. A prevenção deve acompanhar-nos ao longo da vida. E grande parte das intervenções de estilo de vida aos 30 e 40 anos são determinantes para o envelhecimento com qualidade.

Aos 50, muitas pessoas são confrontadas com mudanças, têm de redefinir o seu eu e o seu propósito. O cuidado para que esse caminho seja mais longo e possa ser feito com saúde deve começar antes. Fala-se cada vez mais numa atitude preventiva e personalizada, porque todos nós temos fatores de risco diferentes. E para estes desafios da longevidade precisamos de ter uma abordagem integrada, envolvendo várias especialidades, várias valências da saúde.

Nesta fase, é importante dar especial atenção à saúde mental e consultar um especialista nesta área?

A vergonha deixou de existir na pandemia e as pessoas hoje procuram cuidados a nível da saúde mental. Muitas fazem-no de forma preventiva, dentro da lógica de envelhecimento ativo e saudável. Não são só os desafios das mudanças que ocorrem aos 50, mas os tempos: a sociedade anda muito exigente, o stress; as pessoas hipersolicitadas, com o tempo muito ocupado. Integrar a saúde mental de forma preventiva faz todo o sentido – pela resiliência, para nortear todas as decisões que se tomam e estarem plenamente capacitadas para todas estas mudanças.

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