Voluntariado corporativo: um guia para fazer (mesmo) a diferença

Voluntariado corporativo: um guia para fazer (mesmo) a diferença
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á 17 anos que o Grupo Montepio oferece horas dos seus trabalhadores à comunidade. Neste artigo, entre connosco numa viagem pelos bastidores de um dos maiores projetos de voluntariado corporativo de Portugal.

Em 1962, o reputado economista e futuro Prémio Nobel da Economia (1976), Milton Friedman, defendeu que as empresas deviam limitar-se a procurar benefícios económicos, abdicando da vertente social. Mais tarde, em 1970, o professor da Escola de Chicago foi mais longe e sugeriu que a responsabilidade social corporativa era um uso inapropriado dos recursos da empresa e um gasto injustificado de dinheiro.

Hoje sabe-se que o futuro não deu razão a Friedman e as empresas e organizações avançaram pelo caminho contrário. E ainda bem. Muitas delas, como o Grupo Montepio, foram mais longe e envolveram os trabalhadores no compromisso de ajudar a melhorar a comunidade. Aquilo a que chamamos, comumente, voluntariado corporativo. “[O voluntariado] tem sido muito acarinhado. É um projeto que conta com o envolvimento dos trabalhadores de todas as empresas do Grupo Montepio”, explica Maria Angélica Aires, responsável pelo Gabinete de Responsabilidade Social do Montepio Associação Mutualista.

Em 2024, o voluntariado corporativo do Grupo Montepio celebra 17 anos. Neste artigo, vamos dar-lhe a conhecer um dos mais completos programas de voluntariado corporativo de Portugal, o modo como está potenciado e os resultados que apresenta.

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Voluntariado é participar, não assistir

No Grupo Montepio os projetos de voluntariado corporativo têm como pano de fundo as necessidades que cada comunidade apresenta, analisadas a partir de três visões: a da própria comunidade, a das instituições parceiras do Grupo Montepio e a dos trabalhadores-voluntários que pretendem intervir nos locais onde vivem e aos quais pertencem.

“As ações têm que estar integradas na política de responsabilidade social do Grupo, nos princípios da Economia Social e do Mutualismo. E estar alinhadas com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, explica Maria Angélica Aires. A responsável afasta, assim, “o caráter assistencialista” do voluntariado, uma perspetiva partilhada, por exemplo, no ABC do Voluntariado Empresarial, considerado por muitos a “bíblia” do tema. “As atividades de voluntariado empresarial são, atualmente, ações transformadoras, educativas e não-assistencialistas, rompendo com o paradigma de remediar a pobreza”, pode ler-se no prefácio do manual.

Aqui chegados, há outro tipo de diferenciação a fazer: entre o voluntariado de competências, vocacionado para a transmissão de conhecimentos entre voluntários e comunidade, e o voluntariado coletivo, uma definição mais abrangente e direcionada para as intervenções sociais.

No Grupo Montepio, o voluntariado de competências está, naturalmente, ligado à partilha de ideias para reforçar a literacia financeira de crianças e adultos, projetos que pressupõem continuidade. Verónica Chiquelho, gestora mutualista em Viseu, é uma das várias trabalhadoras do Grupo Montepio que dá aulas de literacia financeira. “Falamos com crianças, mas também com jovens à procura do primeiro emprego”, explica Verónica, cuja equipa de voluntariado participou, em 2023, na feira de emprego de Viseu. “Os mais jovens são muito sinceros, honestos e participativos. Adoro estar com eles na sala de aula”, diz. “Tenho notado que a nova geração já não liga tanto a roupa de marca, prefere outras coisas. Têm outros horizontes.”

Ir além do que é esperado

No Grupo Montepio, o voluntariado assume também uma vertente coletiva, sobretudo ações de cariz social, ambiental, cultural ou de proteção animal. Podemos, assim, ver trabalhadores a construírem floreiras e suportes, a prepararem a terra para o plantio, a apoiarem a implementação de hortas pedagógicas, a plantarem árvores, a fazerem arranjos diversos, limparem e pintarem espaços interiores e exteriores, a confecionarem refeições para as pessoas em situação de sem abrigo ou a reabilitarem espaços degradados para famílias carenciadas. Mas também a construírem boxes para animais viverem em cativeiro e abrigos para o fazerem no seu habitat natural.

“Ao longo do ano estamos sempre atentos”, explica Verónica Chiquelho, de 47 anos, há vinte e cinco no Grupo Montepio. “No ano passado, escolhemos as Obras Sociais de Viseu e fomos limpar a fachada, pintar o espaço e organizar a sala de arquivo. E tivemos duas sessões de literacia financeira, porque a instituição tem valência de infantário e ATL”.

Denise Santos, responsável pela logística na Direção de Logística e Meios do Grupo Montepio, em Lisboa, acredita que no voluntariado de continuidade o compromisso é “muito mais profundo”.

“Acredito que os resultados serão ainda mais compensadores. Venho sempre muito realizada”, afirma. Em janeiro, a equipa de Denise reuniu-se num bairro da zona do Cacém, na Grande Lisboa, para planear várias ações num período de tempo alargado. “O bairro tem de ser reorganizado. Há uma série de instituições que estão dispersas, uma escola e uma associação que trabalha com jovens desocupados e quer puxá-los para a comunidade.” Após a reunião com os representantes do bairro, os voluntários do Montepio vão agora falar entre si e fazer uma espécie de caderno de encargos: o que fazer, durante quanto tempo, qual o objetivo, quem pode ajudar.

“[Há um] trabalho de continuidade e que vem sendo feito há já algum tempo, nomeadamente em comunidades que contam, de forma regular, com a presença dos voluntários”, reforça Maria Angélica Aires. Entre estas encontram-se, por exemplo, instituições como a ADM Estrela, o Centro Social Soutelo, a Associação Renovar a Mouraria, as Irmãs Hospitaleiras ou a Cooperativa Rumo, que são parceiras habituais dos projetos do Grupo Montepio. Em 2024, o programa de voluntariado arranca em maio e estende-se até ao final de novembro. Antes, em outubro, começa a preparação da estratégia para 2025.

Voluntariado corporativo vs. team building

Algumas empresas veem o voluntariado corporativo como uma extensão das atividades de team building, ações que desenvolvem o espírito de entreajuda e sentido de equipa. Não é assim no Grupo Montepio. “No team building, as situações são recriadas de forma artificial e passíveis de serem revertidas numa ação formativa. O voluntariado corporativo implica um conjunto de regras, direitos e deveres, devidamente definidos, que envolvem apenas os trabalhadores que aderem livremente”, refere Maria Angélica Aires, que reconhece, ainda assim, que ambas fortalecem o espírito da equipa.

Liderar pelo exemplo, também no voluntariado

Um estudo do Boston College Center for Corporate Citizenship (2021) concluiu que 96% dos trabalhadores-voluntários mostram-se mais empenhados nas ações do dia a dia que os não-voluntários. “Esse empenho é sentido”, afirma Maria Angélica Aires. “O voluntariado é algo marcante. A presença do Grupo sai reforçada junto das comunidades beneficiadas e os voluntários sentem-se úteis e mais humanos.”

Muitos voluntários têm vontade de voltar aos locais onde estiveram a fazer as ações, ou à casa das pessoas idosas que estiveram a limpar e a cuidar. “É esse o trabalho diário, transformar a sociedade para melhor. É a fonte de inspiração que sempre norteou a casa-mãe deste Grupo, o Montepio Associação Mutualista”, conclui a responsável.

Assim que abrem as inscrições para mais um programa de voluntariado, são muitos os trabalhadores que não deixam passar a oportunidade de ajudar o próximo. No Grupo Montepio, a tradição manda que os gestores de topo liderem pelo exemplo. “São exemplos que dão força ao programa e que transmitem os valores mutualistas e solidários, que caracterizam todo o grupo. São, ainda, fatores de coesão fundamentais para a robustez do trabalho em equipa entre os diversos voluntários presentes, quer naquele momento, quer no seu dia a dia”, explica Maria Angélica Aires.

Em 2019, o programa de voluntariado chegou às famílias dos trabalhadores do grupo, aos trabalhadores em regime de outsourcing, aos promotores (comerciais) e até aos associados. “O retorno foi muito satisfatório”, conclui Maria Angélica Aires. “Trazer as famílias para este tipo de atividades é estender os valores mutualistas do próprio trabalhador e contribuir mais e melhor para uma sociedade mais justa e solidária.”

“No voluntariado de continuidade o compromisso é muito mais profundo e acredito que os resultados serão ainda mais compensadores. Venho sempre muito realizada”

Denise Santos, trabalhadora do Grupo Montepio

Do Montepio para a comunidade

Verónica Chiquelho ainda não falhou uma ação de voluntariado corporativo. “É um momento de ansiedade e preocupação, porque temos de ter os voluntários todos a postos. E uma azáfama. São dias intensos, que começam sempre mais cedo e acabam mais tarde”, explica. A gestora mutualista diz que, desde que é voluntária no Grupo Montepio, tornou-se “mais observadora” de tudo o que a rodeia, o que a levou, inclusive, a tornar-se voluntária fora da instituição. “Sou voluntária na Make-a-Wish, no Banco Alimentar e ajudo no centro de acolhimento de crianças de Viseu.” Juntamente com alguns colegas, de modo informal, Verónica recolhe bens alimentares, roupa e brinquedos e distribui-os por instituições da cidade de Viriato.

Não é a única trabalhadora do Grupo Montepio que se deixou contagiar pelo voluntariado. “Já colaborei com a Operação Nariz Vermelho, na Comunidade Vida e Paz, na Serve the City e ajudei estrangeiros a preencher documentos, por exemplo para o (antigo) Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), ou até a fazer o IRS”, frisa Denise Santos.

O click para o voluntariado pessoal? A experiência com o voluntariado corporativo. “Conheci pessoas que tiveram uma vida funcional e organizada e acabaram na rua. Podia ser um de nós, ninguém está livre de que lhe aconteça o mesmo. Às vezes precisamos de um click, de ver as coisas.”

Denise e Verónica concordam que, por incrível que pareça, fazer voluntariado serve-lhes mais do que aos outros. “Fazer voluntariado foi um desafio que fiz a mim própria e fui muito impactada”, conta Denise, de 48 anos.

“Sou egoísta porque, no final de uma ação de voluntariado, recebo sempre mais do que dou. Trabalho numa instituição diferente e tenho muito orgulho em fazer parte deste Grupo. Somos mesmo muito diferentes. É uma motivação diária”, conclui Verónica Chiquelho.

João Carvalho das Neves, administrador do Montepio Associação Mutualista, com outros voluntários. No Grupo, os gestores de topo lideram pelo exemplo

6 fases do voluntariado corporativo no Grupo Montepio

O modelo de voluntariado do Grupo Montepio visa a intervenção na comunidade. Conheça os 6 momentos que o definem.

  1. Seleção das comunidades e constituição das equipas de trabalho
    As comunidades de atuação são identificadas de acordo com as necessidades apresentadas. São, então, elaborados os perfis dos voluntários que vão realizar as intervenções.
  2. Constituição das equipas de trabalho
    Cada ação é constituída por uma equipa multidisciplinar composta por atores internos (voluntários) e externos (sociedade civil, organismos públicos e comunidade).
  3. Diagnóstico e plano de trabalho
    Durante a fase 3, os voluntários dinamizadores reúnem-se com as entidades locais para planear o conjunto de atividades que serão realizadas, bem como os recursos necessários, os parceiros e os respetivos papéis.
  4. Mobilização de voluntários
    São abertas candidaturas para as diversas ações de voluntariado que se vão desenrolando ao longo do ano. Algumas vezes, para atender a necessidades muito específicas, os trabalhadores-voluntários são convidados a participar.
  5. Realização das ações nos locais
    Chegou a altura de executar as ações de voluntariado nos diferentes locais, em distintos dias e meses.
  6. Avaliação e apresentação dos resultados
    Todas as ações são avaliadas. Procura-se aferir o desempenho do grupo de trabalho nas atividades onde os voluntários estiveram envolvidos e, por fim, o mais importante: os resultados para as comunidades e parceiros (entidades) sociais das comunidades intervencionadas.

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