a pergunta do milhão de dólares, ou euros, do momento. Falámos com o jornalista Nuno Aguiar sobre tecnologias que melhoram a vida dos cidadãos, aumentam a produtividade das empresas e mudam a sociedade. Saiba, também, por que razão as previsões económicas se tornaram obsoletas na era da turbulência.
Imagine que está a conduzir o seu automóvel numa estrada bem iluminada e, de repente, sem que nada o faça prever, cai um nevoeiro cerrado e só consegue ver um metro à frente. A metáfora é de Nuno Aguiar, jornalista da revista Visão, e descreve a dificuldade dos especialistas em fazer previsões económicas nos tempos que correm. “Não somos só nós, jornalistas, que o dizemos, mas as pessoas que fazem modelos e previsões para alguns anos”, garante.
Quando tentamos antecipar que economia teremos em 2023, batemos num muro. Por exemplo, o BCE, o banco central dos países da União Europeia que utilizam o Euro como moeda, abandonou a sua política de forward guidance. Ou seja, deixou de anunciar as suas intenções relativas ao futuro monetário com base nas previsões de estabilidade dos preços. “No fundo, deixou de fornecer algumas migalhas para investidores, famílias e empresas [saberem] o que vai acontecer”, explica Nuno Aguiar. “Agora, vai decidindo reunião a reunião.”
Se as instituições de referência na área económica não conseguem prever o que acontecerá nos próximos meses e anos, como podem milhões de cidadãos planear a sua próxima compra, a viagem de férias ou, simplesmente, organizar o dia a dia financeiro?
Loucos anos 20 ou Grande Depressão?
Apesar das feridas da pandemia, e do labirinto de más notícias que lhe sucederam, com a guerra, a inflação e a subida das taxas de juro à cabeça, há quem mantenha o otimismo. Em novembro de 2022, a economista Cathie Wood, CEO da Ark Invest, empresa norte-americana de gestão de investimentos, escreveu uma thread no Twitter que deixou parte da comunidade desta rede social em sobressalto 一 mas positivo. De acordo com Wood, o período que vivemos poderá dar origem a um regresso ao passado, que é como quem diz, aos “loucos anos 20”, uma época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade económica que decorreu entre 1920 e 1929.
À lupa do contexto complicado de 2023, é difícil perceber alguma lógica nesta ideia. Mas Wood explica-a ao ínfimo detalhe. “O cenário é incrivelmente similar. Durante a Primeira Guerra Mundial (PGM) e a pandemia da gripe espanhola, [alguns] acontecimentos negativos [na economia] empurraram a inflação para números superiores a 20%. No seu pico, em junho de 1920, chegou aos 24%, mas depois caiu vertiginosamente num ano, para -15%, em junho de 1921. Não ficaria admirada se a inflação caísse para números negativos em 2023.”
Tendo sempre como base o mercado norte-americano, a economista continua com a comparação: o decréscimo da inflação pode levar a Fed 一 Reserva Federal norte-americana, o sistema de bancos centrais do país 一 a descer as taxas de juro. Se o fizer, voltamos aos “loucos anos 20”. Se tal não acontecer, avançamos diretamente para 1929 e para a Grande Depressão.
Inovações fazem girar a economia
Neste período tão particular da economia, parece não existir meio-termo: passamos do oito para o oitenta, ou vice-versa, sem percebermos bem como lá chegámos. Embora ponha (bastante) água na fervura nesta projeção, Nuno Aguiar acredita que há alguns motivos para estarmos otimistas em relação ao futuro. “Existem certas coisas que estão a acontecer, que ainda são pouco visíveis mas podem fazer a diferença. Falo de novas tecnologias nas áreas da energia e da inteligência artificial (IA)”, avança. Esta enxurrada de inovações está a chegar ao mercado numa altura em que as economias e as pessoas estão mais preparadas para as absorver. “São inovações que podem, nos próximos anos, aumentar a nossa produtividade.”
Por exemplo, a tão propalada “mudança de paradigma energético” ganhou uma nova força com a entrada das alterações climáticas no debate público de modo irreversível e com os efeitos económicos da guerra na Europa. Com o BCE a privilegiar as obrigações verdes e os grandes fundos de investimento globais a forçarem as empresas nas quais detêm posições a adotar comportamentos mais responsáveis, a transição verde pode estar finalmente em marcha.
Nos últimos anos, avançou-se como nunca no desenvolvimento tecnológico dos veículos elétricos. O aumento da autonomia das baterias destes veículos e os incentivos à sua compra por parte dos Estados, aliados ao lançamento de novos modelos, fizeram disparar as vendas. Em 2022, 10% de todos os automóveis vendidos globalmente eram elétricos (contra 6% em 2021), com a Europa (11%) e a China (19%) na liderança.
Há outras inovações que vão mudar a nossa vida 一 ou já o fazem. Em dezembro de 2022, pela primeira vez, físicos do Laboratório Lawrence Livermore, na Califórnia, Estados Unidos, conseguiram produzir mais energia do que a consumida através de uma reação de fusão nuclear, um avanço na produção de energia limpa. E a carne criada em laboratório começou a ser comercializada e poderá chegar em breve à nossa mesa.
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A inovação do momento, porém, chama-se ChatGPT, um chatbot utilizado como colega de conversa e também fonte de informação, rivalizando com empresas como a Google. Este instrumento de IA vai democratizar o acesso ao conhecimento, por mais complexo que seja, ajudando profissionais a desempenhar melhor o seu trabalho. Por exemplo, já está a auxiliar médicos a realizar diagnósticos rápidos e precisos. De acordo com um estudo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, o ChatGPT pode prever com 92% de precisão quem irá desenvolver demência com dois anos de antecedência. Como? Identificando padrões ocultos em dados de pacientes: a memória, a função cerebral, o estilo de vida ou o desempenho em testes cognitivos. Pode, também, ser utilizada como ferramenta de apoio ao estudo ou lazer. “Em segundos, o ChatGPT dá-nos um ensaio sobre a Segunda Guerra Mundial (SGM) ou escreve um poema sobre os motivos económicos da SGM. Ou, se quisermos ser mais específicos, dá-nos um texto do George Costanza [personagem ficcional da sitcom norte-americana Seinfeld] a explicar a SGM, em termos económicos, ao Kramer [outra personagem da mesma sitcom].”
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Nuno Aguiar destaca ainda os “grandes esforços na exploração espacial” e a massificação da tecnologia mRNA. Esta última é um farol de esperança para o tratamento de doenças como o cancro ou a esclerose múltipla.
Nem tudo será para já, e o jornalista da Visão recorre ao passado para explicar o futuro. “Quando as fábricas começaram a ser eletrificadas, [no final do século XIX], não se notou um aumento de produtividade. Foram precisos 20 a 30 anos para que isso acontecesse. Mas quando aconteceu foi explosivo”, recorda Nuno Aguiar.
“A economia está boa, as pessoas é que não”
Para grande parte dos leitores, estas inovações dirão pouco. Não explicarão, por exemplo, se 2023 será um ano de crescimento económico, mais emprego e redução do custo de vida. Mas se 2021 foi o ano de maior crescimento global em quase 50 anos, assistimos agora ao maior arrefecimento económico em 80 anos, avisa o Banco Mundial. “É a era da grande turbulência”, acrescenta Nuno Aguiar. “É possível que um otimismo de dois ou três anos seja temperado por um pessimismo nos anos seguintes.”
Um relatório do Banco Internacional de Pagamentos, organização internacional responsável pela supervisão bancária, esclareceu que não há paralelo histórico para a montanha-russa em que a economia global se transformou. “É tão difícil prever o amanhã que devemos ter sempre alguma cautela sobre quão assertivos queremos ser.”
Esta não é uma crise como as outras, já sabemos. No entanto, há fenómenos que Nuno Aguiar considera “confusos” e que vêm causar ainda mais incerteza no futuro. Nos Estados Unidos, por exemplo, o arrefecimento da economia não está a ser tão grande como o esperado em função da subida tão acelerada dos juros. “Ao mesmo tempo, as taxas de desemprego continuam baixas”, afirma. “Os preços sobem, mas os salários não acompanham. E os consumidores e as empresas parecem estar muito mais pessimistas do que aquilo que os dados [económicos] dizem, o que também é interessante.”
Em Portugal, a economia cresceu, em 2022, ao nível mais rápido em 30 anos. “As pessoas não têm ideia disso. Mas é a tal coisa: a economia está boa, as pessoas é que não estão”, argumenta. “Há perdas de compra brutais e generalizadas. Mas o desemprego está estabilizado nos 6%. Isto pode ser tudo temporário e dentro de seis meses podemos ver o desemprego a dar sinais negativos. Para já, não estamos a vê-lo.”
Finalmente, um dos acontecimentos mais “relevantes” dos últimos anos aconteceu durante a pandemia: a intervenção dos Estados na economia. “Os mega programas [de incentivos financeiros] aguentaram as empresas e famílias num momento de emergência. E, neste momento de guerra, a estratégia não foi totalmente abandonada”, o que contrasta com crises anteriores, em que a ajuda direta dos Estados às empresas e cidadãos seria “motivo para grandes surpresas”.
As pessoas têm saudades de viver
Outro dos fenómenos que acompanhou a economia portuguesa em 2022, e se manteve em 2023, foi o aumento do consumo, apesar da inflação. “É difícil quantificar, mas falamos de uma vontade de viver ou socializar que se notou muito no pós-pandemia”, afirma Nuno Aguiar. Um dos setores em alta é o do turismo 一 muitos operadores bateram recordes de vendas em 2022. Mas há mais. “Os restaurantes estão cheios e há uma vontade de viver. Quando o momento mais agudo da inflação passar, provavelmente [o cenário] manter-se-á, se quisermos ser otimistas. A inflação não vai ficar para sempre nos 12%”, conclui Nuno Aguiar.
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Há um provérbio português que diz, mais coisa menos coisa, que “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”. O modo como olhamos para estes novos tempos depende sempre de cada um: os otimistas dirão que a bonança vem sempre após a tempestade; os pessimistas vão ser prudentes e esperar que o próximo ano traga boas notícias. Apesar da incerteza, no meio, como sempre, estará a resposta.