Guia financeiro para divorciados: como proteger o seu dinheiro quando o amor acaba?

Guia financeiro para divorciados: como proteger o seu dinheiro quando o amor acaba?
12 minutos de leitura
Ilustração de Maria João Faustino
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e está em processo de separação, ou pensa nisso, saiba que a burocracia não acaba no momento em que assina os papéis de divórcio – e os paga. Neste artigo, damos-lhe dicas para equilibrar financeiramente a sua nova vida de divorciado. São conselhos de profissionais, advogados e outros especialistas no tema, mas também de pessoas que passaram por esta fase complexa sem rede e que agora lhe dão conta dos desafios que o esperam.

A casa é, talvez, a maior dor de cabeça financeira quando um casal se separa. É a primeira grande decisão que tem de tomar: quem fica com o imóvel se ainda existir uma hipoteca; ou, em alternativa, se a decisão pende para a venda da casa, sendo o património remanescente repartido entre os dois após o pagamento ao banco. Foi este o dilema da tradutora e escritora Elizabete Agostinho. Primeiro, certificou-se de que iria conseguir pagar sozinha as despesas que antes eram suportadas pelo salário dela e do marido: água, eletricidade ou televisão por cabo. Depois, fez as contas para perceber se, ainda assim, teria margem para manter a prestação mensal da morada da família. Embora tenha lido sobre o tema antes de decidir, não previu que o spread aumentaria como consequência de passar a ser apenas uma pessoa a suportá-lo. “O risco é maior”, refere.

“A pessoa não tem noção do impacto financeiro que o divórcio pode trazer à sua vida. Há um empobrecimento e o nível de vida pode descer”, refere o advogado de Direito da Família, Ricardo Marques Candeias. “As pessoas percebem o quão duro é ter de pagar todas as despesas”, afirma, por sua vez, Inês Correia, mentora de finanças pessoais. “Sinto muito a dor que surge após o divórcio.”

A solução encontrada por Elizabete? Trabalhar mais. “Passei a viver sozinha com um filho pequeno.” Assim que o jovem se deitava, entre as 21h30 e as 22h00, Elizabete dedicava-se a projetos de tradução ou a escrever livros para compor o orçamento. “Foi a minha escolha, implicou um sacrifício pessoal”, conta a ex-jornalista que, com toda a documentação que reuniu nesta fase da sua vida, escreveu Feliz Divórcio.

Elizabete Agostinho aproveitou o seu próprio divórcio para escrever o livro “Feliz Divórcio” e, assim, ajudar futuras e futuros separados

Decisões, decisões, decisões

Após o divórcio ou a separação, há quem faça outras opções: tirar os filhos do colégio privado, mudar para uma casa arrendada ou conseguir uma hipoteca fora do centro das cidades, onde o valor dos imóveis é mais baixo. “As pessoas mudam os hábitos para poupar algum dinheiro mas também para facilitar a vida, ficando perto dos transportes, da escola”, refere Inês Correia.

A vida muda de um dia para o outro e há que ajustar as expectativas. A especialista Mafalda Correia, que faz mentoria parental pós-divórcio, diz que esta nova condição pode dar ao pai ou à mãe recém-divorciados uma nova liberdade, sem as exigências do outro. “Vão para uma casa mais pequena, com menos condições, mas têm o consolo de a casa ser deles.” Mafalda recorda-se de uma rapariga que dizia que, por fim, iria conseguir “pôr os livros na estante como queria”.

“Tem de haver ajustes. Mas, por vezes, valem a pena, porque as pessoas estão em sofrimento. E quando conseguem libertar-se desses clichés que são incutidos (o carro, o colégio), mesmo começando do zero ficam muito bem”, acrescenta Marcela Almeida. A advogada não tem dúvida de que os divórcios “vieram para ficar”. E os números parecem confirmá-lo. Nos primeiros nove meses de 2021 foram 9 633 os casais que se separaram oficialmente. Em 2020 houve 91,5 divórcios por cada 100 casamentos, segundo uma projeção do Instituto Nacional de Estatística (INE). Foi um ano de pandemia, ao longo do qual se celebraram menos uniões. No ano anterior, mais de 15 947 foram desfeitas.

“[Após um divórcio] as pessoas mudam os hábitos para poupar algum dinheiro mas também para facilitar a vida, ficando perto dos transportes, da escola, …”

Inês Correia, mentora de Finanças Pessoais

Passo um: procurar especialistas

Recentemente, o advogado aconselhou uma cliente que tinha duas contas conjuntas com o marido, sendo que, numa delas, fazia a domiciliação do seu ordenado. A cliente desconfiava que o marido devia ter “outras duas ou três”, apenas em nome dele. Quais os saldos? A cliente desconhecia. Mas a lei permite-lhe obter essa informação ainda antes de assumir que se quer divorciar. É uma forma de se proteger, explica Ricardo Marques Candeias. “Pode pedir-se um arrolamento. O marido não é citado pelo tribunal, e os bancos são notificados a informar quais são os saldos. Se as coisas forem bem feitas, é possível aproximarmo-nos com muita certeza daquele que é o património do casal.”

Além da recolha de informação financeira também se deve inventariar o recheio da casa (com fotografias) e fotocopiar os documentos mais importantes, aos quais se pode deixar de ter acesso durante o processo de separação.

Quando se pensa no divórcio, o primeiro grande passo é procurar ajuda. Segundo Marcela Almeida, um jurista explica o que é necessário acautelar do ponto de vista financeiro, qual o regime de bens e o que este implica, quais os encargos bancários do casal e os impactos financeiros da rutura do casamento. É que “não se trata apenas de cansei-me, vou-me embora”. Um divórcio ou uma separação implicam uma preparação. “Quando isso acontece, o divórcio tem um impacto menor”, assegura a advogada com vinte e cinco anos de experiência profissional e que defende aquilo a que chama “divórcio consciente”.

O advogado Ricardo Marques Candeias aplica um modelo de apoio legal preditivo, segundo o qual se faz um levantamento da situação atual e se explicam, do ponto de vista patrimonial, as consequências da separação. “É uma solução pensada para que as pessoas pensem de um modo racional se devem, ou não, divorciar-se.” Esta é também uma forma de se acautelarem eventuais ocultações do património comum.

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Preparar-se para a autonomia financeira

“Qualquer processo de decisão requer informação. E informação é poder”, defende Marta Moncacha, assistente social e divorce coach. “Quanto mais informados estiverem os futuros divorciados acerca das questões jurídicas, financeiras e de regulação das responsabilidades parentais, melhor.”

Através do projeto Divórcio Positivo, Marta ajuda as mulheres a lidarem com a separação. E muito do conhecimento que tem foi adquirido no seu próprio trajeto pessoal. Há uma década, quando se divorciou, tinha apenas “uma vaga ideia” sobre os compromissos financeiros que tinha assumido. “Assinei algumas coisas de cruz. Sou péssima em números e fiquei com a crença de que tudo o que tinha que ver com a questão financeira da família ficaria a cargo do meu marido. De um modo muito natural, deleguei no outro.”

As mulheres têm mais tendência para assumir esta aparente dificuldade em lidar com questões financeiras, refere. Porque não querem. Porque acham que não sabem. “O meu trabalho é desmistificar a sensação de que não somos capazes de nos aguentar nas nossas próprias pernas, de gerir a nossa vida, de educar os filhos. Obviamente que somos, com ajuda, temos de ter capacidade de pedir ajuda”, afirma Marta Moncacha.

A mentora de finanças pessoais Inês Correia conta a história de uma cliente que, após a separação, sentiu-se perdida com o dinheiro que obteve com a venda da casa de família. Como poderia geri-lo com cuidado? Começou por arrendar uma casa para si e solicitou um horário flexível no serviço público onde trabalhava para conseguir deslocar-se de transportes públicos – e assim reduziu as despesas de gasolina e estacionamento do carro. “Conseguiu reorganizar a sua vida e aprendeu a gerir o dinheiro de um modo eficaz”, refere.

“A pessoa não tem noção do impacto financeiro que o divórcio pode trazer à sua vida. Há um empobrecimento e o nível de vida pode descer”

Ricardo Candeias Marques, advogado de Direito de Família

Partilhas: o que era nosso agora é meu e teu

Há outra lição financeira essencial para quem está a divorciar-se: abdicar de fazer contas nas partilhas é um erro. Ricardo Marques Candeias tem clientes que pensam que, ao fazê-lo, estão a facilitar a separação e a evitar as discussões. É uma inferência falsa: “As pessoas devem pensar que tiveram um projeto de vida em comum com outra pessoa. Se calhar a mulher – é o exemplo típico, mas hoje cada vez menos – pensa que, por ter ajudado mais com os miúdos, e o marido ter investido mais no trabalho, foi ele quem levou o património para casa.” Não foi. Contribuiu de outro modo, dando espaço ao outro para construir uma carreira. “Não pode abdicar, tem de fazer as contas ao cêntimo”, sublinha o advogado, autor do livro Divórcio: O Guia Essencial.

Um hábito entre os casais mais jovens (até aos 40 anos) é a existência de três contas. Uma para cada um dos membros do casal e outra em comum. Assim, supõem, haverá sempre independência financeira em caso de separação. Mas, tal como em muitos aspetos das relações humanas, também este não é linear. “O facto de a titularidade da conta ser só de um dos cônjuges não significa que as quantias lá depositadas são apenas de um. Eu posso ter uma conta só minha, mas o salário do meu marido – mesmo casados sob comunhão de adquiridos – é um bem comum. Foi depositado na minha conta e o valor que lá está é dos dois”, explica a advogada Ana Sofia Torres.

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Garantir a estabilidade dos filhos

O advogado Ricardo Marques Candeias consegue facilmente referir sete ou oito divórcios-tipo, desde o simples acordo mútuo até à litigância que se arrasta durante anos em tribunal. Nestes casos extremos, os filhos podem servir de “arma de arremesso” na negociação das pensões ou na regulação do poder parental – e neste caso a questão financeira também está presente.

“Quando represento mulheres, todas elas, em regra, estão dispostas a não ter proteção patrimonial. É uma moeda de troca nos acordos que não fica refletida de forma escrita. Muitos pais fazem uso de um modo pouco moral dessa moeda de troca”, explica a advogada Ana Sofia Torres, cuja percentagem de clientes que são mulheres ronda os 70%. É o que acontece, por exemplo, entre empresários. Como a quota social nas empresas é comum, é sugerido ao ex-cônjuge que abdique da sua parte. Em troca, fica com liberdade na regulação parental.

Mas há mais exemplos: os advogados têm uma lista infindável de argumentos que usam os filhos. “Há quem peça a residência alternada. Não por querer exercer o papel de pai ou de mãe, mas porque não quer pagar a pensão de alimentos ao outro”, descreve Marcela Almeida, que também conhece casos de quem se oponha a esta solução na qual as crianças residem em casa de ambos os progenitores porque “a pensão de alimentos faz toda a diferença”.

Nestes casos, muitas vezes o que está por detrás é muito mais um problema emocional. Daí que a advogada tenha lançado o projeto GP3, onde, em conjunto com Mafalda Correia, que faz mentoria parental pós-divórcio, ajuda a resolver os problemas emocionais e o impacto que a separação tem na família. E este é um trajeto que pode ser longo, explica Mafalda Correia: “Nos primeiros dois a quatro anos, a maior parte das pessoas está emocionalmente muito instável. E mesmo os pais que conseguem dar suporte aos filhos – e são muitos –, fazem-no apesar da turbulência emocional, sendo uma experiência vivida com eles.”

“Eu posso ter uma conta só minha, mas o salário do meu marido – mesmo casados sob comunhão de adquiridos – é um bem comum. Foi depositado na minha conta e o valor que lá está é dos dois”

Ana Sofia Torres, advogada

Como calcular a pensão de alimentos?

Em Portugal, não há uma fórmula matemática para calcular o valor da pensão de alimentos. Em Feliz Divórcio, Elizabete Agostinho sugere que se tenha sempre em conta a hipótese de surgirem despesas extraordinárias (metade das despesas de saúde e educação) acrescidas ao valor das despesas básicas, como alimentação, vestuário, transporte, habitação ou atividades. O princípio legal é que “nenhum dos membros do casal deve enriquecer com o divórcio, mas também não pode haver uma redução drástica da qualidade de vida”, explica Elizabete Agostinho. O importante é garantir que os filhos não ficam a perder com a separação.

Resolvidas estas questões, que os especialistas entrevistados pela Revista Montepio identificam como as mais importantes, é preciso tratar de uma extensa lista de burocracias – e muitas com custos em serviços de finanças e registos notariais. Elizabete Agostinho registou os passos a dar no livro: tem que colocar o nome de solteiro no Cartão de Cidadão, na Carta de Condução, nas contas bancárias. É preciso verificar em que nome estão as contas do empréstimo do carro, das mensalidades do ginásio, do telemóvel, da televisão por cabo, do gás, da água, da eletricidade ou do alarme, sob pena de aparecerem dívidas indesejáveis se o ex-cônjuge não as cancelou. “Apesar de não haver muita cabeça, vale a pena olhar para isto. Caso contrário, arranja-se um problema maior do que era inicialmente.”

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Quanto custa um divórcio?

Depende do tipo de separação, mas pode ir dos 51 euros pagos pela mediação pública até aos 5 000 euros que se gastam em processos que demoram anos nos tribunais.

Um divórcio amigável, por mútuo acordo, fica por menos de 300 euros pagos em emolumentos no cartório e, eventualmente, despesas no valor de 500 ou 600 euros, acrescidos de IVA, a pagar ao advogado. “Com partilhas é mais caro. Se o casal for a tribunal, depende do número de sessões. Se houver conciliação, custa cerca de 1 500 euros”, estima Ricardo Marques Candeias. Mas um processo com partilhas e litigância, que se arraste por dois ou três anos, pode chegar aos 4 000 ou 5 000 euros.

O valor depende “do tempo que se dedica ao processo, do valor por hora que cada advogado cobra”, refere Ana Sofia Torres. No Porto, por exemplo, o honorário é de cerca de 100 euros por hora. Nas comarcas do interior pode ser inferior. A advogada recorda também que existe um sistema de mediação familiar público, que tem um custo para cada um dos envolvidos de apenas 51 euros e que “permite a um terceiro, especializado na área, fazer a mediação”.

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