Sharenting: o que é e como pode afetar os seus filhos

Os pais têm o direito de publicar fotografias e vídeos dos filhos na Internet? Quais os riscos? Como fazê-lo em segurança? Conheça as respostas neste artigo sobre o sharenting.
Artigo atualizado a 17-05-2023
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O termo sharenting terá surgido em 2010, nos Estados Unidos, para designar uma prática comum: a partilha (sharing) por parte dos pais (parenting) de dados, sobretudo fotografias, dos filhos através da Internet. As redes sociais já eram, então, plataformas bem conhecidas de todos e mostravam milhões de fotografias de crianças publicadas pelos pais.

O sharenting começou a levantar questões sobre segurança e privacidade e hoje é um tema quente de debate, inclusive em tribunais. Em Portugal, o Tribunal da Relação de Évora decidiu, em 2015, proibir os pais separados de uma menor de publicar fotografias da filha em plataformas como as redes sociais. Respeitar o direito à imagem e a reserva da vida privada é uma “obrigação dos pais, tão natural quanto a de garantir o sustento, a saúde e a educação dos filhos”, considerou o órgão.

Motivação para a partilha de fotografias dos filhos

Pedro é fotógrafo e pai de duas meninas, uma com três anos e outra recém-nascida. Não tem por hábito partilhar a sua vida privada nas redes sociais, mas de vez em quando publica uma fotografia da família. “As redes servem para que os amigos possam acompanhar o crescimento dos nossos filhos, principalmente quando andamos mais afastados, como aconteceu durante a pandemia. Mas nunca pensei muito sobre a questão de não ter autorização das minhas filhas para partilhar imagens delas”, afirma Pedro.

Numa das imagens, a filha mais velha aparece com o rosto coberto por uma fralda de pano, noutra vêem-se apenas as pernas e os pés, numa terceira está de costas. “Nem eu nem a mãe temos problemas em partilhar fotos, mas, de uma forma natural, mostro fotos em que não mostro muito”, descreve o pai. Ainda assim, em algumas imagens é possível identificar o rosto da bebé, o que traz à Internet a sua identidade e a possibilidade de que as fotografias sejam utilizadas por terceiros de forma perniciosa. “Publicamos imagens inocentes”, responde o fotógrafo. “Mas o que é inocente para mim talvez possa ser visto de forma perversa por outra pessoa”, complementa.

Um ato egoista

Não equacionar todas as possibilidades antes da publicação de uma fotografia é algo comum perante a euforia da parentalidade, como explica Tito de Morais, que fundou o site MiudosSegurosNa.Net para ajudar famílias, escolas e comunidades a promover a segurança online dos mais novos. “Eu percebo a tentação de partilhar fotografias. Quando fui pai também não resisti a partilhar com o mundo essa felicidade, mas hoje considero-o um ato egoísta”, confessa, alertando para os perigos da criação precoce de uma pegada digital.

Perigos do sharenting

A divulgação de fotografias de menores em plataformas da Internet pode acarretar diferentes perigos.

Segurança

O risco mais grave e evidente do sharenting relaciona-se com a segurança. “Todas as crianças devem ser protegidas de violência, exploração ou abusos na Internet”, defende o programa das Nações Unidas para a infância (UNICEF). Uma vez expostas, as imagens estão sujeitas ao seu uso indevido por possíveis predadores sexuais ou redes de pedofilia.

“Há um perigo evidente de as imagens poderem ser usadas em sites de pornografia e redes de pedofilia”, identifica Tito de Morais.  O estudioso do tema acredita que o facto de as pessoas considerarem que apenas os “amigos” têm acesso às imagens publicadas cria uma “falsa sensação de segurança”, o que leva alguns pais a divulgarem fotografias menos próprias, em que a criança aparece nua ou, pelo menos, facilmente identificável.

Por outro lado, a partilha contínua de imagens associadas a um determinado local ou contexto permite que se percebam rotinas, o que as coloca em perigo. Em suma, como descreve Ana Perdigão, jurista no Instituto de Apoio à Criança (IAC), “o seu mau uso pode levar a situações limite, que colocam a criança em perigo e que reclamam quer uma intervenção protetiva, quer criminal”.

Desenvolvimento da criança

Outro risco do sharenting relaciona-se com o desenvolvimento da criança. A “apropriação” da imagem dos filhos por parte dos pais pode perturbar o seu desenvolvimento e a construção da sua autonomia.

Ao serem vistas pelos pares, as imagens publicadas podem ser um gatilho para situações de bullying. Da mesma forma, ao não se rever no tipo de publicações feitas pelos progenitores, a criança pode sentir um entrave ao desenvolvimento da sua personalidade e autonomia.

Conflito entre pais e filhos

A publicação de uma imagem sem consentimento pode ser fonte de tensão e conflito na relação entre pais e filhos. “As imagens das minhas filhas não são minhas”, começa por frisar Inês Moreira dos Santos, psicóloga e mãe. Partindo deste pressuposto, é preciso entender que “os maus tratos não são apenas físicos e que o sharenting pode significar um mau trato psicológico”. “A criança não está a dar a sua opinião e não pede para estar numa rede social” e não ter estes factos em atenção é provocar “sentimentos negativos” e gerar conflitos, explica a psicóloga, que acredita que a preservação da privacidade é fundamental para o desenvolvimento estável de qualquer criança.

Apesar destas questões, o Estado confere aos pais a responsabilidade de zelar pelos interesses dos filhos, não limitando, a este nível, a sua liberdade de expressão. A pergunta é: onde se encontra o equilíbrio?

Direitos dos filhos

Há uma premissa base no tema do sharenting: “os filhos não são propriedade dos pais e partilhar imagens deles sem a sua autorização e consentimento é uma clara violação da privacidade”, sublinha Tito de Morais.

Os direitos à imagem e à privacidade constam da Constituição da República Portuguesa e do Código Civil (artigo 79º), existindo ainda a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e a Convenção sobre os Direitos da Criança. “O princípio da privacidade impõe que se respeite a sua intimidade, o direito à sua imagem e reserva da sua vida privada”, resume a jurista Ana Perdigão.

Limites para a partilha

No quadro das responsabilidades parentais integra-se o dever de proteção dos filhos. “Estes poderes/deveres – de assegurar a saúde, educação, proteção, satisfação das necessidades básicas, representação e administração dos bens – não são intocáveis ou ilimitados”, lembra a jurista do IAC.

Assim, “o Estado não pode simplesmente proibir nem opor-se à partilha de quaisquer imagens, mas apenas àquelas que sejam lesivas”, como explica ao Ei a advogada especializada em Direito da Família, Márcia Lemos. Embora a avaliação do que é lesivo não escape à subjetividade, a nudez e a possibilidade de identificar, de forma sucessiva, os locais das fotografias são considerados potencialmente lesivos. Mas também há “vários tipos de imagem que podem resultar em humilhação e isso pode ser suficiente para a decisão de um tribunal”, afirma a advogada.

Há, ainda, que pensar no longo prazo e em como o histórico digital de uma criança pode afetar o seu percurso como adolescente e adulta. Como sublinha Márcia Lemos, “nos Estados Unidos, por exemplo, a pegada digital é importantíssima para os empregadores e a investigação sobre o passado pode ir até estas idades”.

Sharenting com segurança

Ter atenção às definições de privacidade nas diferentes redes sociais e partilhar imagens em modo privado (apenas para o grupo de amigos) será o mais indicado para quem deseja publicar imagens dos filhos através da Internet. Ainda assim, nas plataformas em que os conteúdos não são encriptados, é importante saber-se que, uma vez publicados, perdem-se para a plataforma em si.

Como afirma a jurista Ana Perdigão, antes de pensarem em publicar qualquer tipo de imagem, os pais devem sempre perguntar-se: “Até onde pode chegar esta fotografia?” Enquanto restarem dúvidas sobre a resposta, o mais seguro é não publicar.

Mas há outra solução, segundo o fundador do site MiudosSegurosNa.Net. “A forma ideal de partilhar estes momentos implica usar a criatividade, escondendo a identidade dos filhos. Pode deixar um sabor amargo, porque é sobretudo a cara das pessoas que nos dá emoções. Mas é mais seguro”, considera.

Existe, ainda, um outro elemento a ter em conta. “As crianças com idade suficiente têm de ter uma palavra a dizer”, alerta Márcia Lemos, advogada especializada em Direito da Família. “Uma boa regra é os pais perguntarem sempre aos filhos se podem publicar uma fotografia sua. Esta é, claramente, uma questão de literacia, em que temos de envolver e trabalhar com as crianças.”

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