Eutanásia: o que diz a lei e quais as implicações
A aprovação da lei da eutanásia, que define as regras para a morte medicamente assistida, foi um processo longo e complexo. Neste artigo, explicamos a lei da eutanásia.
O que é a morte medicamente assistida?
De acordo com o Artigo 2.º da lei da eutanásia, a morte medicamente assistida “ocorre por decisão da própria pessoa” e é “praticada ou ajudada por profissionais de saúde”. Pode ocorrer por suícidio medicamente assistido ou através da eutanásia, dois métodos distintos.
O suicídio medicamente assistido consiste na “autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica”;
Por sua vez, a eutanásia consiste na toma de fármacos letais, mas administrados “pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito”.
A lei prefere o primeiro método. De acordo com o Artigo 3.º, a eutanásia só poderá ocorrer quando “o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente”.
Quem pode recorrer à morte medicamente assistida?
A morte medicamente assistida aplica-se a pessoas maiores de idade, de cidadania portuguesa ou a residir legalmente no país, “cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida”, e que tenham:
- Lesão definitiva de gravidade extrema, isto é, que seja “amplamente incapacitante” e que “coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária”. Nesta lesão existe “certeza ou probabilidade muito elevada” de que as limitações são permanentes, “sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa”.
- Doença grave e incurável, ou seja, aquela que “ameaça a vida”, estando em “fase avançada e progressiva”, sendo “irreversível” e provocando “sofrimento de grande intensidade”. A lei estabelece que o sofrimento de grande intensidade é aquele “decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”.
Eutanásia: quais os procedimentos?
O processo é longo é constituído por várias etapas. Assim, a lei prevê que o procedimento “não pode ter lugar sem que decorra um período de dois meses a contar da data do pedido de abertura”.
Ao longo do processo — em que o doente, a qualquer momento, tem o direito a revogar a sua decisão — são consultados vários especialistas. Estes responsáveis irão confirmar, nas várias etapas, se o doente reúne as condições exigidas pela lei para se concretizar a morte medicamente assistida. Caso um dos pareceres não seja favorável, o processo deve, nesse momento, ser cancelado e encerrado. O doente pode, ainda assim, iniciar um novo pedido.
Que especialistas irão avaliar o pedido?
1. O médico orientador
O primeiro passo para a realização da morte medicamente assistida (não punível) é a abertura do procedimento clínico. O doente deve entregar um documento escrito, datado e assinado por si ou pela pessoa por si designada, ao profissional de saúde seleccionado para ser o seu médico orientador. Segundo a lei, será o médico orientador a coordenar toda a informação e assistência ao doente, sendo o seu principal interlocutor.
No prazo de 20 dias desde a abertura do processo, o médico orientador terá de emitir um “parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos” para a morte medicamente assistida. No prazo de 10 dias, o médico orientador terá de agendar uma consulta entre o doente e o profissional de psicologia clínica que vai acompanhá-lo durante todo o processo.
Se o profissional concluir que o doente reúne os critérios necessários, deverá prestar-lhe toda a informação e esclarecimentos sobre a sua situação clínica, assim como os tratamentos “aplicáveis, viáveis e disponíveis”, incluindo na área dos cuidados paliativos, para a sua condição. Este médico fica ainda responsável por verificar se o doente reitera a sua vontade. A confirmação deverá ficar registada por escrito.
2. Médico especialista
O processo segue depois para um médico especialista na patologia que afeta o doente. O seu parecer, que deve ser entregue no prazo de 15 dias, confirma se estão reunidos os requisitos para a realização da morte medicamente assistida.
3. O médico especialista em psiquiatria
O processo poderá, então, seguir para um médico especialista em psiquiatria. É solicitado o seu parecer em duas situações:
- No caso de os dois médicos anteriores apresentarem dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida, ou sobre a “vontade séria, livre e esclarecida” do doente;
- No caso de os especialistas anteriores considerarem que o doente possa ser portador de uma “perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade para tomar decisões”.
4. Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida
Os pareceres de cada um dos especialistas integram o Registo Clínico Especial (RCE). Caso se conclua que o processo pode avançar, é remetido para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida (CVA). Esta comissão analisa o processo e, no caso de dúvidas, convoca os profissionais de saúde para prestarem declarações.
5. Parecer positivo
Se o parecer desta comissão for positivo, o médico orientador informa o doente. Nesse momento estabelecem-se “o dia, a hora, o local e o método a utilizar para a prática da morte medicamente assistida”.
Registo escrito é fundamental
Todos os passos do processo têm de ficar registados por escrito, com a assinatura do doente. Se este não conseguir escrever ou assinar, é substituído por “pessoa da sua confiança, por si designada apenas para esse efeito”, sendo-lhe reconhecida a assinatura. No entanto, diz a lei, esta pessoa “não pode vir a obter benefício direto ou indireto da morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial, nem ter interesse sucessório.” O processo é interrompido se o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a morte medicamente assistida.
Qual o local da morte medicamente assistida?
O doente escolhe o local, indica o Artigo 14.º. Este poderá optar por estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde ou dos setores privado e social (desde que devidamente licenciados, autorizados e equipados), bem como noutro sítio indicado por si. Nesse caso, é o médico orientador o responsável por garantir que o local escolhido reúne as “condições clínicas e de conforto adequadas”.
Quem pode estar presente?
Além de outros profissionais de saúde indicados pelo médico orientador, estão presentes as pessoas indicadas pelo doente, desde que asseguradas as “condições clínicas e de conforto adequadas”.
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