John Carlin: “Mandela sempre apelou ao melhor das pessoas”

Carismático, respeitador e, sobretudo, empático. Assim era Nelson Mandela, nas palavras de John Carlin.
Artigo atualizado a 24-07-2018

Jornalista e autor que trabalha nas áreas do desporto e da política, John Carlin foi um dos oradores presentes na conferência que celebrou, em Lisboa, o centenário do nascimento de Nelson Mandela, onde aproveitou para recordar a forte personalidade da figura mais importante no combate ao apartheid.

Entrevista a John Carlin

Como é que o legado de Nelson Mandela pode inspirar os países que estão a iniciar processos de reconciliação?

Mandela era um construtor de pontes, tanto por convicção como também fazia parte do seu temperamento. Por isso, havia uma perfeita convergência entre os seus ideais políticos e a sua personalidade. Há mil uma respostas possíveis para esta questão, mas uma delas é que Mandela é, na minha opinião, o anti Donald Trump. É muito útil compreender Nelson Mandela e olhar para o que Trump faz, que é precisamente o oposto. Enquanto Donald Trump apela, sobretudo, ao medo do outro, levando à construção de muros, Mandela sempre apelou ao melhor das pessoas, o que é um dos instintos mais generosos nas pessoas. Nelson Mandela sempre procurou formas de conectar as pessoas e de construir pontes em vez de construir muros.

Vivemos tempos complexos, com pouca ou nenhuma confiança nos líderes políticos. Como é que os exemplos de Nelson Mandela podem influenciar os líderes globais?

A corrente política que prevalece é uma política que divide as pessoas, mas Nelson Mandela era muito mais de unir as pessoas. Acho que um dos segredos de Mandela para unir as pessoas, além de mostrar respeito por todos, era a sua grande capacidade de se pôr na pele dos outros e perceber as suas necessidades, os seus medos e os seus desejos. Para perceber isso é preciso criar uma ligação, perceber a sua posição e construir pontes.

A capacidade de reconhecer os outros é, para si, uma das principais lições deixadas por Nelson Mandela?

Há duas coisas que gostaria de destacar: o respeito pelos outros, tanto na vida pessoal como política, e a empatia. Empatia é hoje um termo muito utilizado, por vezes mal, mas que traduz a capacidade de nos pormos na mente da outra pessoa. Acho que é um requisito vital para os políticos que procuram construir pontes em vez de dividir as pessoas.

Teve o privilégio de o conhecer. Que tipo de pessoa ele era?

Ele era extraordinariamente carismático, com uma enorme autoconfiança. Se ele entrasse nesta sala agora, e apesar de não conhecer ninguém, saberia que todos iam gostar dele. E isso não é uma questão de arrogância ou orgulho, ele simplesmente sabia-o. Nelson Mandela tinha uma capacidade extraordinária para se relacionar igualmente bem com pessoas pobres ou figuras de Estado, como a Rainha de Inglaterra.

O filme Invictus, baseado no seu livro, foi visto por milhões. Acha que acabou também por inspirar novos líderes?

Acho que é melhor que o Invictus tenha sido visto por milhões do que não ter sido visto, porque obviamente tem uma mensagem muito importante. Contudo, infelizmente a natureza humana, e a grande maioria dos líderes políticos, tendem a dividir as pessoas em vez de as unirem. São muito raros os líderes políticos que põem o interesse da nação ou do mundo acima dos seus interesses, das suas ambições pessoais ou das ambições do partido político.

Acha que o branco e preto já não é uma questão na África do Sul?

Vai ser sempre uma questão, tanto na África do Sul como em Portugal, nos EUA e em todo o mundo. Provavelmente, para o resto da humanidade. A questão é que não é apenas um problema de cor de pele – na Europa vemos brancos a odiarem-se, em África há diferentes tribos que se odeiam – é mais profundo do que isso. É uma questão de tribalismo, e essa questão não vai simplesmente desaparecer.  Aliás, nos últimos anos a violência tem aumentado entre os negros na África do Sul. Infelizmente, é a natureza humana. Contudo, as relações do dia a dia entre brancos e pretos na África do Sul são pacíficas, muito mais relaxadas do que nos EUA, por exemplo.

Como é que podemos combater esse tribalismo?

A melhor maneira é fazendo com que as pessoas se casem e tenham filhos. Podemos falar e recordar os bons exemplos de Mandela ou de Martin Luther King, isso ajuda, mas, em última análise, todas as pessoas têm que começar a ter filhos, de forma a que nos tornemos todos da mesma cor.

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