Pediram-lhe para ser fiador? Antes de aceitar, conheça os riscos.

Garantir o pagamento de uma dívida de um familiar ou de um amigo pode trazer-lhe grandes dores de cabeça. Por isso, seja prudente e informe-se antes de dar esse passo. Neste artigo, encontra todas as respostas de que precisa. Se já é fiador, descubra como desvincular-se.
Artigo atualizado a 29-11-2022

“Fianças e avais, nem aos filhos e aos pais”. Esta expressão popular reflete bem os perigos que corre quem aceita ser fiador. Com este ato de extrema generosidade, arrisca todo o seu património. E, se não cumprir a sua obrigação, pode ser alvo de uma penhora ou ver o seu nome na “lista negra” do Banco de Portugal. Mas as consequências negativas não se ficam por aqui. Caso venha a necessitar de contrair um credito no futuro, pode ter de enfrentar mais obstáculos.

Para que possa tomar uma decisão informada e evitar uma experiência financeiramente ruinosa, elaborámos um guia com o essencial sobre o que é ser fiador.

O que é a fiança?

A fiança é uma garantia pessoal em que uma pessoa – o fiador – se responsabiliza perante outra – o credor – pelo pagamento de uma dívida de outrem – o devedor. Normalmente, é exigida nos contratos de crédito e de arrendamento quando existe risco de incumprimento por parte dos titulares.

“Assim, o fiador garante a satisfação integral da dívida, ficando pessoalmente obrigado perante o credor pelo pagamento da dívida. Isto quer dizer que, caso o devedor não pague, o credor, além de exigir o pagamento ao devedor, pode, igualmente, exigir esse pagamento ao fiador”, explica a advogada Marta Duarte, do escritório de advogados CCA Ontier, em declarações ao Ei.

No caso de um contrato de crédito, se houver incumprimento, o fiador fica responsável por pagar a mensalidade ao banco. Se a fiança tiver sido estipulada num contrato de arrendamento, cabe-lhe pagar a renda ao senhorio.

A fiança não pode ser superior ao valor da dívida que está a garantir nem ter condições mais onerosas. Caso isso ocorra, tem de ser reduzida ao valor da dívida e as condições têm de ser as mesmas. Ao invés, nada impede que a fiança seja prestada por um valor menor ou em condições menos onerosas.

Refira-se que a fiança pode ser prestada sem o conhecimento ou mesmo contra a vontade do devedor.

Quando é que se extingue a fiança?

Em regra, a fiança só termina quando o devedor paga integralmente a dívida ao credor.

Quem pode ser fiador?

Legalmente, qualquer cidadão pode ser fiador. No entanto, o credor tem a última palavra. Por norma, só admite quem tenha bens suficientes para garantir o pagamento da dívida.

Quais os cuidados a ter?

Antes de aceitar ser fiador de alguém é muito importante assegurar-se de que essa pessoa é de confiança e tem condições financeiras para pagar a dívida que está a contrair. É também indispensável que analise a sua situação financeira e perceba se, caso o devedor não pague, está em condições de assumir o pagamento da dívida sem ficar numa situação financeira difícil.

“Uma vez que o fiador responde nos mesmo termos que o devedor, deve ter consciência de todas as condições subjacentes ao contrato de crédito ou de arrendamento, como o montante das prestações e eventuais despesas adicionais a serem suportadas”, aconselha Marta Duarte.

Ainda relativamente ao contrato, “deve verificar se é referido se, enquanto fiador, assume a condição de ‘principal pagador’. Caso isso se verifique, quer dizer que em situação de incumprimento, o credor poderá exigir-lhe o pagamento independentemente de o devedor ter ou não bens para pagar a dívida (ver próxima pergunta).

Que direitos tem o fiador?

A lei civil confere um conjunto de direitos a quem aceita garantir a dívida de outra pessoa, nomeadamente:

Benefício da excussão prévia

Um dos direitos de que o fiador goza é o benefício da excussão prévia. Isto é, de não pagar a dívida enquanto o credor não tiver executado todos os bens do devedor. Contudo, “a maioria dos contratos de crédito e de arrendamento excluiu esta possibilidade, o que implica que o fiador tem a obrigação de pagar a dívida, ainda que o devedor tenha bens que possam responder por ela, ficando o credor com a opção de exigir o pagamento a ambos”, explica Marta Duarte.

Se o fiador figurar no contrato como “principal pagador” deixa de poder invocar o beneficio de exclusão prévia.

Benefício do prazo

O benefício do prazo permite a quem contrai uma dívida pagá-la até ao fim do prazo estabelecido, impedindo o credor de exigir antecipadamente o pagamento. Contudo, no caso de dívidas pagas em prestações, a falta de pagamento de uma delas implica o vencimento das restantes. Ou seja, em caso de incumprimento, o devedor perde o direito ao benefício do prazo. Desta forma, o credor pode obrigar o devedor a pagar de imediato o remanescente da dívida.

A perda do benefício do prazo não é, no entanto, extensível aos coobrigados do devedor, como o fiador. Assim, caso o devedor não pague alguma prestação, o credor tem de comunicar ao fiador esse facto e com a maior brevidade possível, de modo a permitir que este pague a prestação em falta e as que se forem vencendo pelo decurso do tempo. De modo algum, o credor pode retardar a comunicação do incumprimento e exigir abruptamente o pagamento da totalidade da dívida.

O fiador só perde o benefício do prazo em duas situações: se, no contrato de fiança, renunciar a esse direito ou se, depois de interpelado pelo credor para pagar as prestações em falta, não o fizer.

Sub-rogação nos direitos do credor e direito de regresso

O fiador que, na sequência do incumprimento do devedor, pague a dívida ao credor, fica sub-rogado nos direitos do credor. Por outras palavras, torna-se o novo credor do devedor. Nessa qualidade, pode exigir ao devedor todas as quantias pagas ao credor originário em sua substituição. É o chamado “direito de regresso”.

“O fiador que pague a dívida deve avisar o devedor do pagamento sob pena de perder o direito de exigir do devedor a devolução da quantia paga caso aquele pague também. Neste caso o fiador tem direito a exigir do credor a devolução do montante entregue e do qual o credor acabou por beneficiar duas vezes”, indica a especialista.

No entanto, na prática, estes direitos valem de pouco. E é fácil perceber porquê: quando o fiador é chamado a pagar a dívida do devedor é porque este entrou em incumprimento e, muito provavelmente, já se encontra insolvente. Ora, sendo o devedor incapaz de pagar as suas obrigações, não é expectável que reembolse o fiador, agora credor.

Recusa do pagamento

Em determinadas circunstâncias, a lei confere ao fiador o direito a recusar o pagamento de uma dívida. Pode fazê-lo, por exemplo, se o devedor tiver um crédito sobre o seu credor e um compensar o outro.

Libertação ou prestação de caução

O fiador tem ainda o direito de exigir a sua libertação ou que o devedor preste caução para acautelar o eventual direito do fiador caso tenha de pagar a dívida. A lei prevê esta possibilidade nas seguintes situações:

  • Se o credor obtiver contra o fiador uma sentença que o obrigue a cumprir a obrigação;
  • Se os riscos da fiança se agravarem, por exemplo, porque o devedor ficou numa situação financeira muito pior do que a que se encontrava quando a fiança foi constituída;
  • Se o devedor se tiver comprometido a desonerar o fiador dentro de um prazo e não o tenha feito.

É possível deixar de ser fiador?

Um fiador nunca pode deixar de o ser unilateralmente, ou seja, apenas por sua iniciativa. Segundo Marta Duarte, “em circunstâncias normais, uma pessoa só consegue deixar de ser fiador em duas situações. Uma delas é pelo pagamento da dívida garantida pela fiança, o que faz com que a fiança se extinga automaticamente. A outra é com o consentimento do credor”.

Assim, “alguém que pretenda deixar de ser fiador de outra pessoa deve contactar o credor e informá-lo sobre essa intenção, verificando se o credor está disponível para o libertar da obrigação”, recomenda a advogada. Porém, “o que normalmente acontece é que os credores só aceitam libertar um fiador mediante a constituição de outro que dê as mesmas ou melhores garantias”, alerta Marta Duarte.

Ler mais

Mais sobre

Legislação

Este artigo foi útil?

Se ficou com dúvidas ou tem uma opinião que deseja partilhar, preencha o formulário abaixo para entrar em contacto connosco.

Torne-se Associado

Saiba mais