Defesa do consumidor: as respostas que sempre quis saber
Diz-se que “o cliente tem sempre razão”. Contudo, a verdade é que sem a legislação de proteção do consumidor tudo seria diferente nas relações de consumo. A proteção ao elo mais fraco das relações de consumo está vertida em vários diplomas, incluindo a emblemática Lei n.º 24/96, de 31 de julho, também chamada de Lei de Defesa do Consumidor.
A legislação de defesa do consumidor garante o direito à qualidade de bens e serviços, assim como à reparação de eventuais danos ou falta de informação. É, por isso, importante que conheça bem os seus direitos como consumidor, para não ser prejudicado. Para o ajudar, o Ei ouviu especialistas em direito do consumo relativamente à aplicação da lei em casos específicos.
8 casos de aplicação da Lei de Defesa do Consumidor
1. Um condomínio pode estar abrangido pela Lei de Defesa do Consumidor?
“Parece-me que sim, desde que um dos seus integrantes seja consumidor”, indica Jorge Morais Carvalho, docente da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Ou seja, um condomínio pode invocar os direitos dos consumidores numa relação com um profissional de prestação de serviços ou fornecimento de bens, desde que integre pessoas singulares que destinem a sua fração a uso não profissional.
Imagine que, no prédio onde é proprietário de uma fração, o serviço de pintura exterior não ficou bem feito pela empresa contratada. Ao qualificar-se como consumidor, o condomínio tem o direito de recorrer a um Centro de Arbitragem. Dessa forma, evita, por exemplo, uma ida a tribunal.
2. Comprei uma carrinha para uso particular, mas, entretanto, uso-a para deslocações profissionais. Se a carrinha apresentar um problema, estou protegido como consumidor?
O fim a que se destina um bem ou serviço adquirido é crucial para perceber se estamos perante uma relação de consumo. Logo, protegido pela legislação de defesa do consumidor. Por norma, um uso não profissional qualifica um consumidor, enquanto o uso profissional sai desta definição. Neste caso, em que o uso particular é substituído por um uso profissional, a definição da Lei de Defesa do Consumidor é omissa. Para Jorge Morais Carvalho, “o uso é verificado no momento do contrato”, mesmo que ocorram mudanças posteriores. Ou seja, o proprietário desta carrinha está protegido como consumidor. Contudo, lembre-se de que, mesmo que tenha feito uma aquisição de bens (ou serviços) para fins profissionais, a transação está sempre sujeita a normas legais do Código Civil que regulam os contratos.
3. Uma empresa de comunicações telefonou-me e, agora, alega que celebrámos contrato, ao telefone, para prestação de serviços com fidelização de 24 meses. Este é um procedimento legal?
Foi a empresa a ligar-lhe? Nessa circunstância, saiba que o contrato não é válido e pode denunciá-lo sem qualquer encargo para a sua carteira. Para que um contrato seja válido, terá de assinar um documento de proposta contratual. O telefonema vale apenas como elemento informativo pré-contratual.
Ligou à empresa de comunicações por sua iniciativa? Aí o caso é diferente. “Se o contacto for iniciado pelo consumidor, o contrato celebrado ao telefone é válido”, avisa Luís Menezes Leitão, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. As disposições legais constam da legislação nacional sobre contratos celebrados à distância.
4. Comprei uma máquina de lavar loiça e, devido a má instalação, fiquei com a cozinha inundada. Que direitos me cabem face à loja que me vendeu o equipamento?
“O regime da falta de conformidade pode ser aplicado por causa da má instalação se a instalação estiver abrangida no contrato”, esclarece Maria Olinda Garcia, docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, numa referência ao artigo 2.º, n.º 4 do Regime Jurídico da Venda e Garantia de Bens de Consumo (Decreto-Lei 67/2003).
Por outras palavras, isto significa que se a instalação da máquina estiver contemplada no contrato de compra e venda que fez com o vendedor, os problemas na instalação são equiparados a um defeito no próprio artigo. Nesse caso, aplicam-se as regras constantes no referido regime jurídico, relativamente às responsabilidades da empresa perante o consumidor.
A solução mais adequada, nesta situação, será a reparação da instalação, sem qualquer encargo para o comprador. Deverá ser efetuada no prazo máximo de 30 dias. Caso o vendedor não solucione atempadamente o problema, o comprador tem duas alternativas. Poderá pedir uma redução adequada do preço que pagou pela máquina (de modo a poder pagar a reparação a um terceiro que tenha de contratar para esse efeito) ou mesmo exigir a resolução do contrato, com a devolução da máquina e o recebimento integral do preço que pagou. “Para além destas soluções, nos casos em que da inundação tenham resultado danos para outros bens existentes na habitação do adquirente da máquina (por exemplo, a danificação de uma carpete), este tem ainda direito à indemnização desses danos, como dispõe o artigo 12.º da Lei de Defesa dos Consumidores”, esclarece a especialista.
5. Comprei um carro usado. Qual é o período de garantia que se aplica?
Seja um carro novo ou um carro usado, a garantia base é de dois anos. Este é o período constante no Regime Jurídico da Venda e Garantia de Bens de Consumo para bens móveis. Porém, tratando-se de um bem usado, poderá ser acordada uma redução deste período para um ano. Mas a lei é bem explícita quanto a isto: a redução apenas se verifica “por acordo das partes”. Portanto, não basta que o vendedor o informe de que a garantia é de um ano. Se não concordar, poderá, como consumidor, opor-se a essa redução.
Tenha em atenção que estas regras se aplicam a uma relação de consumo. Estes períodos de garantia estão estabelecidos para uma compra a um vendedor profissional e não a um particular. Numa venda de ‘particular para particular’, que é um caso bastante comum no que diz respeito à venda de automóveis usados, aplicam-se as regras de compra e venda constantes no Código Civil. Nestes casos, quando o vendedor particular garante expressamente que o veículo está em perfeitas condições, assume implicitamente os custos resultantes de algum problema ou defeito que se venha a verificar no carro no prazo de 6 meses (nos termos dos artigos 914.º e 916.º do Código Civil).
6. Adquiri um artigo com defeito mas, entretanto, a loja abriu falência. A quem posso reclamar?
Pode apresentar a sua queixa à empresa produtora do artigo, na maioria dos casos. O Regime Jurídico da Venda e Garantia de Bens de Consumo prevê uma responsabilidade alternativa do produtor, equiparada à do vendedor. Ou seja, pode recorrer à entidade responsável pelo fabrico do bem (ou respetiva importação para território da União Europeia) “se o vendedor já não existir no momento da queixa, por insolvência, por exemplo”, esclarece Maria Olinda Garcia. Aqui, cabe ao produtor as mesmas responsabilidades do vendedor perante um produto com defeito: reparação, substituição, redução adequada do preço ou resolução do contrato. Essas responsabilidades podem ser pedidas ao representante nacional do produtor, tratando-se de uma marca internacional.
Há, no entanto, situações em que o produtor pode negar responsabilidade. É esse o caso quando o defeito resulta de má utilização ou de informações erradas prestadas por parte do vendedor/loja. O produtor também está dispensado destes deveres se tiverem decorrido mais de dez anos sobre a colocação em circulação do artigo.
7. A bateria do meu telemóvel avariou e já não tem o mesmo período de carga inicial, mesmo estando dentro da garantia. A loja tem de me pagar uma nova bateria?
Aqui a questão reside em saber se a bateria é um consumível ou uma parte integrante do equipamento. Muitos vendedores argumentam, perante uma bateria ‘viciada’, que esta é um consumível e que, portanto, não está sujeita ao prazo de garantia vigente para o telemóvel (dois anos). No entanto, Maria Olinda Garcia considera que “as baterias são parte integrante do telemóvel e, portanto, têm o mesmo prazo de garantia do telemóvel”. Caso a bateria não seja suscetível de reparação, a empresa “terá de dar uma nova, com um prazo de garantia de mais dois anos”, esclarece ainda a docente da Universidade de Coimbra.
8. A companhia da água da minha zona instalou um novo contador inteligente na minha casa. Reparei agora que me cobraram pelo equipamento na primeira fatura depois da instalação. Posso reclamar?
Pode reclamar com base na Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho). Esta legislação estipula que é proibido cobrar ao utente “qualquer importância a título de preço, aluguer, amortização ou inspeção periódica de contadores ou outros instrumentos de medição dos serviços utilizados”. O serviço de fornecimento de água, independentemente da entidade que o presta, é um dos serviços públicos consagrados na lei.
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