Contrato de comodato: como emprestar bens sem percalços
O contrato de comodato é uma forma legal de emprestar um bem a alguém, garantindo a sua devolução no mesmo estado de conservação em que foi entregue (ou no estado de desgaste decorrente de uma utilização prudente) e no tempo acordado.
Este tipo de contrato pode ser útil quando o bem emprestado tem um valor material significativo, como é o caso de um imóvel. Para saber mais sobre o contrato de comodato continue a ler este artigo.
O que é o contrato de comodato?
O contrato de comodato encontra-se regulado nos artigos 1129.º a 1141.º do Código Civil (CC), sendo definido como “o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.
Neste contrato, as partes que o celebram designam-se de “comodante” (quem empresta o bem) e “comodatário” (quem recebe o bem emprestado).
O contrato de comodato pode ser celebrado verbalmente (de preferência, presenciado por testemunhas) ou através de um documento escrito. Contudo, é prudente fazê-lo por escrito para evitar mal-entendidos entre as partes, por exemplo, quanto ao estado em que o bem é entregue ou devolvido.
É possível estipular algum pagamento?
Sim. Apesar de não haver um valor associado ao empréstimo do bem, pode ser fixado o pagamento de encargos, através de uma cláusula modal. A título de exemplo, no caso do empréstimo de um imóvel, pode ficar estabelecido que as despesas de água, eletricidade e gás sejam pagas pelo comodatário.
Aliás, tratando-se do empréstimo de animais, o artigo 1138.º do CC prevê que despesas de alimentação destes devem ser pagas pelo comodatário, salvo acordo em contrário.
Qual é o prazo do contrato de comodato?
A lei não impõe limites temporais quanto ao contrato de comodato, que podem, assim, ser livremente definidos pelas partes.
No entanto, se o comodante emprestar um bem com base num direito de duração limitada, isto é, um bem do qual não seja proprietário, o prazo do contrato de comodato não poderá ser superior à duração desse direito, segundo o artigo 1130.º do CC. Por exemplo, se o comodante tiver direito de usufruto sobre um imóvel por um período de 10 anos, não poderá emprestá-lo, por contrato de comodato, por mais tempo do que esse.
O mesmo artigo, em conjugação com o artigo 1052.º do CC, determina que se o comodante alienar o seu direito de usufruto do bem emprestado ou renunciar a ele, o contrato de comodato só terminará no fim do prazo do usufruto. Voltemos ao exemplo anterior: caso o comodante renuncie ao seu direito de usufruto do imóvel, o comodatário só terá de devolver este bem depois de decorrido o prazo relativo ao usufruto (10 anos).
Tome nota
Independentemente da existência de prazo, o comodante, caso tenha justa causa, tem sempre direito a resolver o contrato de comodato, ou seja, a exigir o bem.
O contrato de comodato pode ser celebrado sem prazo?
Sim. As partes podem não convencionar qualquer prazo no contrato de comodato.
No que respeita a esta matéria, a lei admite as seguintes situações:
- Sem prazo, mas com uso específico. Aqui, a restituição do bem deve ocorrer logo que termine o uso para o qual foi emprestado, como determina o artigo 1137.º do CC. Exemplificando: se um imóvel é emprestado para férias, deve ser restituído após este período.
- Sem prazo e sem uso específico. Nesta circunstância, o comodatário deve devolver o bem logo que lhe seja exigido pelo comodante.
Tome nota
Ainda que as partes não fixem um prazo, o contrato de comodato não poderá subsistir indefinidamente, uma vez que, por definição, tem uma natureza temporária.
Quando caduca?
O contrato de comodato caduca quando o comodatário falecer, como prevê o artigo 1141.º do CC.
Quais são as obrigações do comodante?
As obrigações do comodante devem estar descritas no contrato de comodato.
Ainda assim ,o artigo 1133.º do CC define que o comodante deve abster-se de atos que impeçam ou restrinjam o uso do bem pelo comodatário, embora não seja obrigado a assegurar-lhe esse uso. A outra menção às obrigações do comodante surge no artigo 1134.º do CC. Aqui, é dito que o comodante não é responsável pelos defeitos ou limitações do direito ou do bem emprestado, a não ser que tenha assumido essa responsabilidade no contrato ou tenha agido de má-fé.
Quais os deveres do comodatário?
Quanto às obrigações do comodatário, estas estão estabelecidas no artigo 1135.º do CC. São elas:
- Guardar e conservar o bem;
- Permitir que o comodante examine ou vistorie o bem quando este o pedir;
- Usar o bem apenas para a finalidade acordada;
- Não utilizar o bem de forma imprudente;
- Consentir que o comodante realize benfeitorias no bem;
- Não proporcionar o uso do bem a terceiros, exceto se o comodante autorizar;
- Avisar, de imediato, o comodante sempre que tenha conhecimento de defeitos no bem ou saiba que algum perigo o ameaça ou que um terceiro reclame direitos sobre ele, desde que o comodante não tenha conhecimento sobre tal;
- Devolver o bem ao comodante no fim do prazo.
O comodatário pode realizar benfeitorias sem a autorização do comodante?
Não. Se o comodatário efetuar benfeitorias no bem emprestado sem o consentimento do comodante, será equiparado a possuidor de má-fé.
O que acontece em caso de perda ou deterioração do bem?
O artigo 1136.º do CC prevê que, em caso de perda ou deterioração casual do bem, o comodatário pode ser responsabilizado, se se provar que poderia ter impedido que tal acontecesse, ainda que com o sacrifício de um bem próprio de valor igual ou inferior.
A responsabilidade da perda ou da deterioração casual do bem é igualmente do comodatário, caso este o tenha utilizado para um fim não planeado ou o tenha cedido a um terceiro para que se servisse dele sem ter autorização do comodante, salvo se provar que estas circunstâncias teriam ocorrido mesmo sem a sua conduta ilegal.
Em que condições deve ser restituído o bem?
O comodatário deve restituir o bem no estado em que o recebeu, estando salvaguardadas as deteriorações resultantes da sua normal e prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, segundo os artigos artigo 1043.º e 1137.º do CC.
Sublinhe-se, ainda, que, se não existir um documento com a descrição do estado do bem no momento do empréstimo, presume-se que este foi entregue ao comodatário em bom estado.
Quais os cuidados a ter na celebração do contrato de comodato?
O contrato de comodato não obedece a regras especiais. Contudo, geralmente, incluem as seguintes cláusulas:
- Identificação dos contraentes (comodante e comodatário);
- Descrição pormenorizada do bem e do seu estado;
- Duração do contrato;
- Tipo de uso que se pretende dar ao bem emprestado;
- Discriminação dos encargos a cargo do comodatário (se for o caso);
- Responsabilidade do comodatário, caso devolva o bem num estado diferente daquele que lhe foi entregue;
- Motivos para rescindir o contrato antes do seu término;
- Foro da comarca;
- Local, data e ano em que foi celebrado o contrato;
- Assinatura dos contraentes.
Para garantir que o contrato de comodato não tem falhas, deve consultar um advogado ou solicitador.
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