FACES: “Eles não querem parar de trabalhar”

Criar postos de trabalho para utentes com algum tipo de deficiência. Foi este o principal objetivo dos nove projetos que venceram a primeira edição do Programa FACES.
Artigo atualizado a 26-09-2018

Uma fábrica de pellets. Serviços de jardinagem e catering. Uma empresa que já dá lucro. Estes são três exemplos de projetos que o Programa FACES, da Fundação Montepio, apoiou no último ano, garantindo postos de trabalho e, sobretudo, a valorização de quem, muitas vezes, acaba por ficar em casa depois de anos de formação profissional.

“Estas instituições são um exemplo de algo experimentado”, revelou Paula Guimarães, diretora da Fundação Montepio, na apresentação dos projetos apoiados pelo Programa FACES. “Eles não querem parar de trabalhar. E até já são reivindicativos”, garantiu, por sua vez, Guida Neto, do CAID (Cooperativa de Apoio à Integração do Deficiente) de Santo Tirso, que trouxe à Fundação Manuel António da Mota, no Porto, vários dos utentes abrangidos pelo projeto que ganhou um financiamento na primeira edição do FACES, dedicada à empregabilidade na deficiência.

A experiência de trabalho fomenta a independência e a confiança dos utentes destas instituições. Suzel Santos, da CERCICAPER, de Castanheira de Pera, garantiu que, para estas pessoas, “encontrar trabalho efetivo não é impossível”. “Mas se não há nada no mercado para isso, temos que ser nós [as instituições] a criar emprego”.

A Fundação Montepio marca presença em todas as fases dos projetos apoiados pelo Programa FACES. “Não nos limitamos a fazer uma transferência. Nós não os largamos. Foram contactados várias vezes durante o ano”, garantiu Paula Guimarães. Os resultados do financiamento do Programa FACES estão a caminho da Secretaria de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência.

Vencedores (e projetos) do primeiro FACES

APPACDM de Coimbra – Argus Recycling

Segundo Jorge Santos, engenheiro e coordenador do Argus Recycling, este programa de valorização de resíduos em Arganil tem como peça central a transição para a vida pós-escolar de alunos com necessidades educativas especiais. “Fazemos a sensibilização de toda a comunidade para reduzir, reciclar, reutilizar. Recebemos, tratamos e vendemos estes materiais”, que vão de papel a plásticos, passando pelo metal. A instituição está à procura de parcerias para maximizar a atividade.  E já conta com o contributo do Município, do Agrupamento de Escolas de Arganil e Lousã, entre outros. Os serviços criados chegam a mais de 42 empresas e as receitas já ultrapassam os 5 000 euros. A instituição quer agora colaborar diretamente com a ERSUC – Resíduos Sólidos do Centro, SA, que gere a concessão de resíduos na zona centro.

Centro Social e Cultural de São Pedro do Bairro, Famalicão – Fábrica de Pellets

Esta iniciativa ambiciosa nasceu da falta de empregabilidade para a população com deficiência. “Estamos num local rural, temos uma quinta pedagógica e pensámos em criar uma unidade de produção de pellets”, contou Ana Monteiro. O objetivo passou por criar uma oportunidade para um grupo de 10 jovens com deficiência, que permitisse aprimorar as questões técnicas, “inverter a inatividade e aumentar o índice de qualidade de vida”. A instituição começou com um percurso formativo de mais de 600 horas de competências. A parte técnica foi desenvolvida na oficina, depois da aquisição de equipamento de produção e máquinas associadas. A atividade do dia a dia é coordenada por um engenheiro e um jardineiro, sendo que a empresa está a trabalhar o marketing e o produto para entrar no mercado. O projeto fez também uma candidatura ao Portugal 2020, no âmbito do Portugal Inovação Social.

CERCICAPER – Hortas de ervas aromáticas

Para contornar o reduzido desenvolvimento económico e social de Castanheira de Pera, Suzel Santos, da CERCIPAPER, pensou em rentabilidade uma atividade conhecida no concelho. “Todos os nossos clientes têm a sua horta caseira e sabem trabalhar nesta área. Por isso, pensámos em preparar um projeto de hortas”, adiantou. Com dois ex-formandos da formação profissional e mais 12 utentes que se deslocam aos terrenos, o objetivo é cultivar ervas aromáticas. A instituição está agora a tentar perceber como gerar receitas com esta ideia. A produção está neste momento a ser plantada em terrenos cedidos à instituição. A CERCICAPER precisa de um plano de marketing para a criação de uma empresa de sucesso e está também a pensar alargar a produção a plantas mais comestíveis, como cogumelos.

O projeto apresentou também uma candidatura à Capacitação para o Investimento Social.

Cooperativa de Apoio à Integração do Deficiente de Santo Tirso (CAID) – Bolsa de Serviços

Guida Neto, diretora técnica da CAID, contou uma história semelhante à das outras instituições. No final da formação profissional, os jovens utentes viram-se confrontados com a falta de emprego. Assim, foram criados vários serviços, desde a jardinagem ao catering, que permitiram aos utentes começar a trabalhar. “Através da app On My Own at Work encontrámos aspetos inovadores para que o formador programasse a atividade ao longo da semana. E eles sabiam que tinham que se fardar, regar, etc.”. Com a Câmara de Santo Tirso como principal cliente dos serviços, a CAID já trata da maioria dos jardins deste concelho. Abrange 13 jovens adultos que fizeram parte da experiência em contexto real de trabalho, incluindo quatro integrações em entidades externas e três prestações de trabalho mensais com a Câmara, com a Santa Casa e algumas prestações de serviço pontuais. No futuro, o objetivo é conseguir mais contratos.

Fundação AFID – AFID Green

Sediada em Lisboa, a Fundação AFID também quis lançar os seus utentes no mercado de trabalho. Para isso, criou uma empresa, a AFID Green, para serviços de manutenção de espaços verdes. Iniciado em 2014, o projeto, apresentado por Edite Sobrinho, candidatou-se ao Programa FACES e recebeu um financiamento de quase 30 mil euros para a aquisição de equipamentos e máquinas. Com esta ajuda, a AFID Green manteve nove postos de trabalho e criou mais dois. Desta forma, garantiu a sustentabilidade financeira da empresa de jardinagem, o aumento do número de clientes e um crescimento de 16,7% da faturação. A responsável assegurou ainda que os clientes estão mais satisfeitos e que, para os utentes, a qualidade de vida melhorou muito. No futuro, a empresa quer tornar-se cada vez mais autosustentável e rentável.

NECI – Horta do Sítio do Boto

Para as instituições de solidariedade, todas as ajudas contam. Num terreno cedido por um familiar de um utente foi implementado o projeto da Horta do Sítio do Boto, promovido pela NECI – Núcleo de Educação da Criança Inadaptada e apresentado por Rita Silva. O objetivo é promover a empregabilidade e inclusão social de pessoas com deficiência através da produção agrícola que respeita o ambiente. No terreno são cultivadas ervas aromáticas, árvores de frutos e outros produtos hortícolas que depois serão introduzidos no mercado local. A iniciativa prevê a criação de 14 postos de trabalho. Sete serão ocupados por utentes da instituição. Numa ligação clara ao território onde está enquadrado, o Algarve, mais propriamente o concelho de Lagos, o projeto tem ainda uma dimensão turística, acomodando a de estrangeiros residentes como forma de divulgação destes produtos. No horizonte está a criação de uma marca de comércio solidário e inclusivo.

BIPP – Semear – Terra de Oportunidades

Semear – Terra de Oportunidade foi o projeto trazido pelo BIPP – Inclusão para a Deficiência e apresentado por Joana Santiago. A responsável lembrou que a taxa de desemprego entre os jovens adultos com deficiência ascende aos 70% e há que dar respostas a este problema. Para mudar esta situação, a BIPP promoveu a empregabilidade através da produção agrícola. O desafio passou por tornar a produção, que está localizada em Oeiras, autosustentável através da venda de produtos. E os resultados são animadores. O projeto já superou as expectativas iniciais. Dos 36 jovens da formação, 21 já estão colocados no mercado de trabalho. A instituição apoia também as empresas no sentido de ajudar na manutenção do posto de trabalho da pessoa com deficiência.

ARCIL – CET Arcil

A Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã (ARCIL), com mais de 40 anos ao serviço da comunidade, apresentou um projeto não na área da incapacidade. A ARCIL adquiriu o programa Cognitive Enhancement Therapy (CET), traduziu-o e adaptou-o, e está a aplicá-lo em alguns utentes, explicou João Dias. Trata-se de um programa de reabilitação neuropsicológica, que tem uma vertente de software e outra de treino de competências sociais. Há ainda uma terceira, introduzida pela ARCIL, de desmistificação de crenças presentes na comunidade, incluindo nos profissionais de saúde, em relação às pessoas que sofrem de deficiência intelectual ou com incapacidade devido a doença mental. Com este programa, o objetivo é aumentar a inclusão social e laboral. A ARCIL espera tornar-se especialista nesta intervenção e capacitada para implementar esta nova abordagem. O projeto, que conta com a parceria da Universidade de Coimbra, abrange 20 clientes. 

INCLUIR – “Sou, Consigo e Faço”

A associação INCLUIR trouxe uma nova perspetiva à questão da empregabilidade da pessoa com deficiência. Numa parceria com a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Santarém e a APPACDM de Santarém, a INCLUIR criou ferramentas multimédia e interativas para fazer a ponte entre empregadores e candidatos com uma qualquer deficiência, seja de que índole for, contou Helena Carona. Entre essas ferramentas inclui-se um site e um vídeo. No site existe uma bolsa de emprego, uma área de criação de curriculum, outra de informação prática, nomeadamente sobre legislação, além de notícias e de um blogue. O vídeo pretende desmistificar as crenças sobre empregar pessoas com deficiência, mostrando casos reais de sucesso. A plataforma vai ser apresentada a 3 de dezembro, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. No futuro está prevista a criação de uma app para ambiente IOS e Android.

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