Prémio de Voluntariado Jovem Montepio: os bastidores da vitória da ACAPO

O Centro Ocupacional da Lapa, na Póvoa do Varzim, foi pequeno para acolher a 9.ª edição do Prémio Voluntariado Jovem Montepio, uma iniciativa cheia de emoção e boas ideias e que terminou com a vitória da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO).
Artigo atualizado a 10-03-2021

Localizado mesmo em frente ao mar, no Bairro Sul, Póvoa do Varzim, uma comunidade constituída sobretudo por famílias ligadas à pesca, o Centro Ocupacional da Lapa fez jus ao espírito que o Prémio Voluntariado Jovem Montepio incute nas suas várias edições. O Centro é recente, de abril de 2018, tem mais de 150 inscritos e cerca de 60 idosos assíduos que, entre jogar às cartas, ter aulas de música ou de português,  ocupam o seu dia. É uma comunidade que passou muitas privações, sublinha ao Ei António Araújo, assistente social do Centro. “Este é um espaço de memória ativa”, garantiu o responsável. Assim, o trabalho tem de ter um “cunho afetivo”, de valorização da autoestima.

Para trabalhar neste território de intervenção, o Prémio Voluntariado Jovem Montepio convidou quatro instituições: a Casa de Acolhimento de Jovens de Castelo Branco – ADM Estrela; Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal – ACAPO; a Associação Chãos dos Meninos, de Évora, e o Lar Mãe de Deus, dos Açores. O desafio à ACAPO inseriu-se numa lógica de inclusão, à semelhança do que tinha acontecido, no ano passado, com a presença da AFID – Associação Nacional de Famílias para a Integração da Pessoa Deficiente. “Pretendemos perceber como pessoas com alguma deficiência mental ou física reagem a estes contextos e tipo de desafio”, explicou Joaquim Caetano, do Gabinete de Responsabilidade Social da Associação Mutualista Montepio. O responsável lembra que “às vezes fala-se em inclusão e não se pratica”. “Nós funcionamos mesmo como um laboratório, falamos e praticamos”, referiu.

Iolanda Silva, Relações Públicas na ACAPO, destacou a importância de proporcionar a estes jovens “uma oportunidade igual à das outras pessoas”. “A participação permite tirá-los da zona de conforto e trabalhar competências como a comunicação, trabalho em equipa e construção de projeto”, referiu a responsável.

Diagnóstico e trabalho com mentores

O primeiro dia do evento começou com a construção do diagnóstico. “Demos a dica de que as equipas deviam prestar atenção aos ativos intangíveis, que podem ser valorizados e mantidos”, explicou Joaquim Caetano. Com isto em mente, as equipas percorreram as várias salas do Centro Ocupacional e as ruas à volta para determinar as necessidades da população. Numa das salas, onde estavam sobretudo idosas, ouviram elogios ao Centro e queixas sobre a falta de comunicação entre homens e mulheres. Uns estão de um lado, outros do outro, e não é fácil misturarem-se. Na sala dos homens, onde as horas passam ao ritmo das cartas, a resistência à partilha foi bastante maior. António Cunha, antigo pescador, foi o mais conversador. Contou às equipas que trabalhou 60 anos no mar, uma vida que caracterizou como muito difícil. “No passado, o pescador era um autêntico escravo, o trabalho era braçal”, relatou. Hoje, passa as tardes no Centro Ocupacional a jogar as cartas. Tudo isto decorreu sob o olhar atento dos facilitadores. Um deles, Pedro Lopes, educador na Associação Chãos dos Meninos de Évora, realçou a importância de as jovens contactarem com outras realidades que não a delas.

“As miúdas são muitas vezes inseguras, envergonhadas, com pouca noção da realidade social. É importante conhecerem esta população mais idosa, conhecerem outros jovens, pessoas de outras instituições”. O educador lembrou que, nesta iniciativa, o mais importante era colocar as jovens a fazer todo o trabalho. “Mesmo que falhem redondamente”, referiu o responsável. “Elas têm de aprender a errar.”

Tiago Machado, diretor técnico do ADM Estrela de Castelo Branco, notava o entusiasmo com que a equipa encarou o desafio. “Estão muito entusiasmados, sentem que podem fazer a diferença, e isso para nós é fantástico, eles sentirem-se úteis e capazes de marcar a diferença”, afirmou. Já Sofia Carvalho, coordenadora da Equipa Técnica do Lar Mãe de Deus, destacou a oportunidade de conhecer o Bairro Sul e as competências que estavam a ser trabalhadas. “Intercâmbio, cooperação, trabalho de equipa… estão a ser desenvolvidas competências sociais e também académicas, porque é uma mais-valia para elas”, adiantou a coordenadora.

Depois de duas horas de diagnóstico, as equipas juntaram-se em grupos e receberam os mentores, profissionais de várias instituições e empresas da cidade que ajudaram a validar as primeiras ideias das equipas. Os projetos começaram então a ganhar forma e havia que trabalhar a segunda componente: a apresentação ao júri e ao público.

Emoção e responsabilidade

No segundo dia de trabalhos, que começou com um batismo de mar, os jovens apresentaram os seus projetos para uma plateia atenta no Centro Ocupacional da Lapa. E foi à ACAPO que coube a abertura da sessão, com a ideia “Lapa na Rede”, um canal de YouTube para juntar os utentes e aproximá-los de gerações mais novas. Seguiu-se a equipa da ADM Estrela, que concebeu o documentário “Navegar no Passado”, que junta este género de filme com a reconstituição de tradições e histórias.

O grupo da Associação Chãos dos Meninos pensou numa forma de apoiar os idosos, com serviços ao domicílio e ajuda nos transportes, e chamou-lhe “Reciprotempo”. O Lar Mãe de Deus trouxe dos Açores a ideia de uma horta biológica, “Mãos na Terra”, a construir numa estufa dentro de uma escola local.

Mas foi a ACAPO que conquistou o júri e levou para casa um prémio emotivo, mas que traz consigo uma grande responsabilidade: a organização da décima edição, já em 2020.

 

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