União de facto: requisitos, direitos e limitações


A lei tem vindo a aproximar os direitos dos unidos de facto dos direitos dos casados, mas ainda existem diferenças substanciais. Neste artigo, explicamos o que distingue a união de facto do casamento, com base na Lei da Proteção das Uniões de Facto e no Código Civil.
O que é a união de facto?
A Lei da Proteção das Uniões de Facto define a união de facto como a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivem em condições análogas às das pessoas casadas há mais de 2 anos. Ou seja, devem viver em comunhão de leito, mesa e habitação e em exclusividade.
Noutras legislações específicas, o prazo de duração da união de facto para fazer valer direitos pode variar. Assim, por exemplo, para assegurar a transmissão do arrendamento por morte do unido de facto basta 1 ano. Já na Lei da Nacionalidade, a duração necessária para que um estrangeiro possa declarar querer adquirir a nacionalidade portuguesa com fundamento na união de facto é de 3 anos.
Impedimentos
Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, aos unidos de facto as seguintes circunstâncias:
- Idade inferior a 18 anos à data do reconhecimento da união de facto;
- Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto;
- Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
- Parentesco na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha reta;
- Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge da outra pessoa.
Qual o estado civil de quem vive em união de facto?
Em Portugal, a união de facto não é um estado civil. O Código Civil português só reconhece quatro estados civis. São eles: solteiro, casado, divorciado e viúvo.
Contudo, o reconhecimento jurídico da união de facto confere alguns direitos e benefícios, em vida ou por morte, semelhantes aos do casamento.
Como se prova?
Na medida em que em Portugal a união de facto não está sujeita a qualquer formalidade, isto é, não está sujeita a inscrição no registo civil, é particularmente relevante a prova da sua existência.
Assim, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível. Entre os meios possíveis estão:
- Declaração conjunta do IRS ou em separado com a mesma morada fiscal;
- Existência de filhos comuns;
- Documentos que demonstrem a comunhão de casa (fatura da água ou da luz em nome dos dois unidos de facto);
- Prova testemunhal (de vizinhos, por exemplo);
- Declaração da junta de freguesia da residência, acompanhada de declaração de ambos os unidos de facto, sob compromisso de honra, de que vivem como tal há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
Os unidos de facto são herdeiros um do outro?
Contrariamente ao viúvo no regime do casamento, o unido de facto sobrevivo não é considerado herdeiro legítimo do unido de facto falecido. O artigo 2133.º, n.º 1 do Código Civil identifica quem são os herdeiros e como é feita a ordem de atribuição da herança. A saber: cônjuge e descendentes, cônjuge e ascendentes, irmãos e seus descendentes, outros colaterais até ao quarto grau e por último o Estado.
A única forma de os unidos de facto serem herdeiros um do outro é se cada um fizer um testamento indicando essa vontade. No entanto, se tiverem familiares, devido às regras da sucessão legitimária mencionada acima, só poderão dispor e decidir livremente de uma parte da sua herança, a chamada quota disponível.
O que determina o fim da união de facto?
A união de facto dissolve-se com:
- Falecimento de um dos membros;
- Por vontade de um dos membros;
- Casamento dos membros da união um com o outro ou com terceiro.
Para oficializar a dissolução da união de facto por vontade de um dos membros, basta que um deles manifeste essa vontade, não sendo, pois necessário, qualquer formalismo especial ou a intervenção de qualquer órgão estadual.
No entanto, quando se pretendam fazer valer direitos que dependam da dissolução da união de facto, esta situação deve declarar-se judicialmente. Para tal, basta apresentar uma declaração expressando, sob compromisso de honra, a dissolução da união de facto.
No caso de dissolução da união de facto por falecimento de um dos membros, para aceder a direitos, é necessário apresentar certidão de cópia integral do registo de nascimento do membro sobrevivo e certidão de óbito do membro falecido, bem como declaração emitida pela junta de freguesia da residência onde conste que o interessado vivia há mais de 2 anos com o membro falecido, à data da sua morte.
Como se dividem os bens em caso de rutura da união de facto?
Na união de facto não existe um regime de bens que permita a divisão do património na separação de acordo com a vontade expressa pelo casal, como acontece com o casamento. Apenas existem regras especiais para decidir quem fica na casa onde, de forma permanente, estável e duradoura, viviam os unidos de facto, designada de casa de morada de família.
Assim, se não houver um contrato de coabitação de facto ou combinação prévia, quando uma pessoa adquiriu bens com a colaboração da outra durante a união de facto, a situação terá de ser analisada de acordo com as regras da compropriedade ou do enriquecimento sem causa.
Segundo a compropriedade, os unidos de facto são ambos proprietários de um bem, na proporção do que cada um deles tiver contribuído para a sua compra.
Já o enriquecimento sem causa determina que quem enriquecer sem justificação à custa de outra pessoa terá de devolver aquilo que obteve. Ou seja, se uma das pessoas adquiriu um bem em seu nome, mas com dinheiro da outra pessoa, não se pode entender que o bem é apenas da pessoa que formalmente o adquiriu.
O que acontece à casa de morada de família quando termina a união de facto?
As pessoas que vivem em união de facto têm direito a proteção da casa de morada de família nos termos dos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil.
Casa arrendada
Se a casa de morada de família for arrendada, os unidos de facto podem optar pela transmissão ou concentração do arrendamento a favor de um deles. Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos, entre outros factos relevantes.
Casa própria
Sendo a casa de morada de família comum ou própria do outro unido de facto, o tribunal pode dá-la de arrendamento a qualquer dos unidos de facto, a seu pedido, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos.
O arrendamento fica sujeito às regras do arrendamento para habitação. Contudo, o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os unidos de facto, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias superviventes o justifiquem.
E em caso de falecimento de um dos unidos de facto?
Neste cenário, aplicam-se as seguintes regras:
Casa arrendada
Na hipótese de a casa de morada de família ser arrendada, a posição de arrendatário transmite-se à pessoa que com o falecido vivesse em união de facto há mais de um ano. Este direito não se verifica se, à data da morte, o unido de facto sobrevivo tiver outra casa, própria ou arrendada, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do país.
Casa própria
Se a casa de morada de família for própria do unido de facto falecido ou compropriedade dos unidos de facto, a Lei da Proteção das uniões de Facto confere proteção ao unido de facto sobrevivo, quer relativamente à casa de morada de família, quer ao respetivo recheio.
Desta forma, o membro sobrevivo pode permanecer na casa, com direito de uso do recheio, pelo prazo de cinco anos. No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, aqueles direitos são conferidos por tempo igual ao da duração da união de facto.
O direito a proteção da casa de morada de família não se verifica se o unido de facto sobrevivo tiver casa própria ou arrendada no conselho onde está localizada a casa, ou, tratando-se dos conselhos de Lisboa e Porto, também nos concelhos limítrofes.
Se os dois unidos de facto forem comproprietários da casa e do respetivo recheio, o unido de facto sobrevivo tem direito a viver na casa, em exclusivo, pelos prazos já referidos (5 anos ou, se superior, tempo igual à duração da união de facto).
Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o unido de facto sobrevivo tem direito a continuar a viver na casa na qualidade de arrendatário, ou seja, pagando uma renda nas condições gerais do mercado, exceto se o proprietário denunciar o contrato de arrendamento por necessitar da casa para sua habitação. Além disso, enquanto viver na casa, tem, ainda, direito de preferência a comprá-la, se for vendida.
A quem pertencem as dívidas contraídas durante a união de facto?
Nesta matéria, importa distinguir dois tipos de dívidas: aquelas contraídas por um dos membros e aquelas contraídas por ambos para fazer face às necessidades decorrentes da vida em comum.
Se a dívida foi contraída por um dos membros da união, ainda que para ocorrer aos encargos normais da vida familiar ou proveito comum do casal, então apenas esse será responsável.
Tendo os dois membros contraído a dívida, ambos se obrigam e respondem, solidária ou conjuntamente, pela mesma dívida.
Quem vive em união de facto tem direito a proteção social em caso de morte?
Sim. Após a morte de uma das pessoas da união de facto, a pessoa sobreviva tem direito aos seguintes apoios sociais:
- Subsídio por morte;
- Pensão de viuvez;
- Pensão de sobrevivência;
- Pensão de alimentos da herança da pessoa falecida (desde que demonstre, junto das entidades competentes, carência económica).
Quais são as implicações de viver em união de facto no que respeita ao IRS?
As pessoas que vivem em união de facto podem entregar a declaração do IRS em conjunto, tal como as que são casadas, desde que a Autoridade Tributária (AT) reconheça essa união. Se as duas pessoas do casal tiverem o mesmo domicílio fiscal há dois anos, a AT assume automaticamente a união de facto.
Quais os direitos das pessoas que vivem em união de facto?
Os membros de uma união de facto têm os seguintes direitos:
- Proteção da casa de morada de família;
- Beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos trabalhadores da Administração Pública. Por exemplo, se ambas trabalharem na mesma empresa, têm direito a gozar férias na mesma altura, e, se uma pessoa ficar doente, a outra tem direito a faltar ao trabalho para cuidar dela;
- Beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças;
- Aplicação do regime do IRS nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens. Por exemplo, fazer o IRS em conjunto, como referido acima. Têm também direito à isenção do pagamento da taxa de 10% nas doações entre si;
- Isenção do Imposto do Selo sobre as sucessões, caso venham a herdar por testamento;
- Proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social;
- Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional;
- Pensão de preço de sangue e por serviços excecionais e relevantes prestados ao país;
- Recusar-se a depor como testemunha contra a pessoa com vive em união de facto;
- Possibilidade de recorrer às técnicas de procriação medicamente assistida;
- Processo de separação mais simples. Basta a vontade de uma das pessoas do casal para que a sua dissolução ocorra.
Que limitações têm os unidos de facto, face aos casados?
A união de facto possui limitações significativas em comparação com o casamento. Eis as principais diferenças:
- A união de facto não tem qualquer registo;
- Os unidos de facto não estão vinculados pelos deveres conjugais, nomeadamente respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência;
- Não estabelecem relações de afinidade com os parentes do outro;
- Não há direito a herança em caso de morte, a não ser por testamento através da quota disponível;
- Não podem adotar um regime de bens que permita a divisão do património na separação;
- O filho nascido de uma união de facto tem de ser voluntariamente reconhecido pelo pai (ato a que se chama perfilhação). Num caso limite, pode haver lugar a uma ação de investigação de paternalidade;
- Os unidos de facto não podem alterar o seu nome de modo a acomodar os apelidos do outro;
- A aquisição da nacionalidade portuguesa é mais exigente via união de facto;
- A extinção da união de facto não confere aos seus membros qualquer direito a indemnização.
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