Cabeça de casal e herança: funções, direitos e deveres
O cabeça de casal é quem administra uma herança até à sua partilha. Trata-se de um cargo não remunerado, salvo se for exercido por um testamenteiro. Com esta função, chegam também direitos e responsabilidades sobre os bens próprios do falecido e sobre os bens comuns do casal, quando tenha existido casamento em regime de comunhão. Para salvaguardar os direitos de todos os interessados, o cabeça de casal está ainda sujeito a algumas limitações legais. Saiba tudo aqui.
Quando é necessário designar um cabeça de casal?
Após o falecimento de uma pessoa, os seus bens e dívidas são distribuídos pelos herdeiros. Contudo, este processo não é imediato. Até ao momento das partilhas, os bens do falecido constituem uma herança indivisa.
Para gerir essa herança até que todos os processos burocráticos estejam concluídos, nomeia-se, então, um cabeça de casal. Em resumo, uma abertura de sucessão por morte requer a designação dessa figura.
Quem deve ser nomeado cabeça de casal?
A nomeação do cabeça de casal segue uma ordem estipulada no Código Civil:
- Viúvo ou viúva, não separado judicialmente de pessoas e bens, caso seja herdeiro ou se tiver metade dos bens do casal;
- Testamenteiro, se existir e apenas se o falecido não tiver declarado nada em contrário;
- Parentes que sejam herdeiros legais, sendo dada preferência aos parentes mais próximos em grau, como os filhos;
- Herdeiros testamentários.
Entre os herdeiros legais do mesmo grau, ou entre os herdeiros testamentários, o cabeça de casal será aquele que vivia com o falecido há pelo menos um ano, à data da morte. Em igualdade de circunstâncias, segue-se o critério da idade, preferindo-se o herdeiro mais velho.
Sempre que o património for distribuído totalmente em legados, o legatário mais beneficiado substitui os herdeiros. E, de novo, o mais velho terá prioridade, em caso de igualdade de circunstâncias.
Por último, se a pessoa designada for incapaz de exercer as funções de cabeça de casal, o papel caberá ao seu representante legal.
É possível renunciar ao cargo?
Sim, é possível recusar o cargo de cabeça de casal, mas apenas em contextos específicos. Para que a renúncia seja aceite, saiba que a pessoa designada deve reunir pelo menos uma das seguintes condições:
- Ter mais de 70 anos;
- Estar impossibilitada de exercer as funções, devido a questões de saúde;
- Desempenhar um cargo público incompatível com as funções de cabeça de casal.
Caso todos os indivíduos a quem caberia a função de cabeça de casal se escusem ou sejam removidos, poderá ser o próprio tribunal a designar um herdeiro. É, ainda, permitido entregar a administração da herança a qualquer outra pessoa, desde que haja acordo entre todos os interessados.
Em que situações se pode afastar o cabeça de casal?
Qualquer interessado poderá propor a remoção do cabeça de casal, sempre que se verifique que a sua atuação é prejudicial para a gestão da herança. A lei detalha as situações em que esse afastamento é legítimo, nomeadamente quando o cabeça de casal:
- Oculta bens e doações do falecido;
- Indica doações ou encargos inexistentes;
- Administra o património sem prudência nem zelo;
- Não cumpre os deveres legais impostos, no âmbito do inventário;
- Revela ser incompetente para o exercício do cargo.
Quais os direitos do cabeça de casal?
Os direitos do cabeça de casal existem para auxiliá-lo na administração da herança. Assim, nenhum direito deve ser subvertido para seu interesse individual. Saiba, então, que o cabeça de casal pode:
- Cobrar dívidas relativas à herança, mas só quando o pagamento for espontâneo e caso a demora comprometa a sua liquidação;
- Pedir aos herdeiros ou terceiros a entrega de bens que integrem a herança e que esses tenham em seu poder;
- Instaurar ações contra os herdeiros ou terceiros, para se manter na posse dos bens que estão sob a sua gestão ou para recuperá-los;
- Vender os frutos não deterioráveis, na medida do que for necessário, para satisfazer as despesas de funeral, sufrágios e administração.
O cabeça de casal pode usufruir da herança antes das partilhas?
Uma dúvida que persiste é se o cabeça de casal tem direito a vender, usar ou intervir nos bens herdados. Entenda o que está em causa, através das três questões mais comuns:
1. Segundo o artigo 2090.º do Código Civil, o cabeça de casal tem direito a vender os frutos ou outros bens deterioráveis da herança, podendo aplicar o valor obtido nas despesas de funeral, sufrágios e administração.
2. Pode ainda usar uma habitação de que seja coproprietário, desde que a utilize para o fim a que se destina e que nenhum outro herdeiro se manifeste contra essa utilização, ao ver-se dela privado.
3. Tem também direito a intervir nos prédios herdados para efetuar obras, desde que todos os interessados assim concordem. Este direito não é, contudo, exclusivo do cabeça de casal: qualquer um dos herdeiros pode propor obras de intervenção.
Em suma, todos os direitos exercidos sobre a herança devem ser tomados por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. Ressalva-se, no entanto, que o testamenteiro, no papel de cabeça de casal, poderá vender quaisquer bens, segundo autorização do testador.
Que deveres tem o cabeça de casal?
A primeira função do cabeça de casal é comunicar a morte ao serviço de Finanças e fazer a relação de bens, até ao final do terceiro mês após o falecimento. Para isso, deve preencher o Modelo 1 do Imposto do Selo e listar o património deixado, acompanhado do seu valor. Por património, entende-se:
- Contas bancárias;
- Fundos de investimento;
- Ações e certificados de aforro;
- Planos poupança-reforma e seguros de vida;
- Objetos preciosos;
- Veículos e móveis;
- Imóveis.
Uma vez dado este passo, segue-se a habilitação de herdeiros, numa conservatória. Este é o procedimento requerido para dar início à partilha dos bens, pois apenas as pessoas indicadas nesse ato poderão registar em seu nome os bens herdados. Na prática, serve para demonstrar que os nomes fornecidos são realmente herdeiros do falecido e que ninguém tem prioridade sobre eles na sucessão.
Note, no entanto, que o cabeça de casal pode aqui ser substituído por três outras pessoas a quem o conservador ou o oficial de registos atribua crédito.
Outras obrigações
Além dos seus deveres iniciais perante a Autoridade Tributária e das suas permanentes funções administrativas, o cabeça de casal deve ainda:
- Pagar o Imposto do Selo, exceto quando é o cônjuge ou unido de facto (desde 2009), um descendente ou um ascendente;
- Pagar o IMI sobre a herança indivisa, com a ressalva de que, caso o património deixado não seja suficiente para cobrir a despesa, os outros herdeiros deverão ajudar a pagar o valor remanescente, segundo a sua quota-parte;
- Entregar, até 31 de março de cada ano, uma declaração, no Portal das Finanças, identificando os herdeiros e as quotas-partes correspondentes, para que a herança indivisa não seja equiparada a empresa para efeitos de AIMI. Cada herdeiro deve apresentar, depois, uma Declaração de Confirmação até 30 de abril;
- Distribuir, pelos interessados, o saldo positivo decorrente de lucros da herança, caso exista e após deduzido o valor necessário para os encargos do novo ano;
- Partilhar por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, se os herdeiros ou o cônjuge meeiro assim o exigirem e se o valor não for necessário para cumprir os encargos de administração;
- Prestar contas anualmente aos demais herdeiros, se tiver obtido lucro ou realizado despesas, na administração da herança.
Sempre que uma herança indivisa gera rendimentos empresariais e profissionais, o cabeça de casal tem também a obrigação de declará-los na totalidade em sede de IRS ou de imputá-los aos herdeiros, segundo a quota-parte de cada um.
O que acontece em caso de incumprimento?
Além de poder ser removido do seu cargo, mediante a apresentação de provas por parte dos interessados, o cabeça de casal pode ainda ser responsabilizado pela sua má conduta. Entre as possíveis penalizações, destacam-se:
- Perda de direitos sobre bens que tenha ocultado;
- Responsabilização criminal, se usar a herança em seu próprio benefício;
- Responsabilização civil, se causar danos aos herdeiros.
O objetivo destes mecanismos de penalização é, sempre, garantir que o cabeça de casal cumpre as suas funções com zelo e integridade.
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