Anteprojeto de reforma da lei laboral: o que pode mudar para os trabalhadores
O Governo aprovou um anteprojeto de reforma da lei laboral na Concertação Social e apresentou-o aos parceiros sociais. O documento contém cerca de 100 mudanças à legislação do trabalho. Esta proposta visa modernizar o Código do Trabalho (CT) perante os desafiosdo trabalho na era digital, promover a contratação coletiva, combater a precariedade e, ainda, uma conciliação equilibrada entre a vida pessoal e a vida profissional.
Neste artigo, apresentamos as principais mudanças ao Código do Trabalho (TC) propostas pelo Governo.
Trabalhadores independentes em situação de dependência económica
Redefinição do conceito de “trabalhador independente economicamente dependente” para efeitos do CT. Assim, passa considerar-se haver dependência económica (o que confere garantias) sempre que o trabalhador independente preste, diretamente e sem intervenção de terceiros, uma atividade para um beneficiário do qual obtenha 80% do seu rendimento anual. Atualmente, aquela percentagem é de 50%.
Acrescenta-se a obrigação de o trabalhador independente economicamente dependente comunicar à Segurança Social essa sua qualidade.
Plataformas digitais
Entende-se por plataforma digital a pessoa singular ou coletiva que presta um serviço que preenche cumulativamente os seguintes requisitos:
- É prestado, pelo menos em parte, à distância, através de meios eletrónicos, como um sítio Web ou uma aplicação móvel;
- É prestado a pedido de um destinatário do serviço;
- Implica, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho efetuado por pessoas a título oneroso, independentemente de esse trabalho ser executado em linha ou em local determinado;
- Implica a utilização de sistemas automatizados de monitorização ou sistemas automatizados de tomada de decisões.
Além disso, para que se presuma a existência de contrato de trabalho com plataformas digitais, devem verificar-se cumulativamente dois requisitos:
- A prestação da atividade tem de ser regular;
- O prestador tem de estar em situação de dependência económica.
Teletrabalho
O conceito de teletrabalho passa a ser definido como “a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não predisposto por este e necessariamente através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”.
O acordo de teletrabalho estabelece o regime de permanência ou de alternância de períodos de trabalho remoto e de trabalho presencial.
Elimina-se a norma que prevê que uma proposta de acordo de teletrabalho feita pelo trabalhador “só pode ser recusada pelo empregador por escrito e com indicação do fundamento da recusa”, desde que esta seja compatível com a função desempenhada. Com esta alteração, será mais fácil ao empregador recusar teletrabalho a um empregado.
O anteprojeto de reforma da lei laboral revoga também a norma que estabelece que, partindo do empregador a proposta de teletrabalho, a oposição do trabalhador não tem de ser fundamentada nem pode levar ao seu despedimento ou penalização.
O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável e o acordo para a prestação de teletrabalho devem fixar o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais com o teletrabalho que, comprovadamente, suporte. Este valor deve apurar-se em termos proporcionais quando haja alternância entre períodos de trabalho remoto e trabalho presencial.
Adiciona-se a possibilidade de alteração temporária do local de trabalho por iniciativa do trabalhador com pré-aviso de 5 dias e sem oposição do empregador nesse período.
Extingue-se a obrigação de realização de exames de saúde antes do início da prestação de atividade em regime de teletrabalho, bem como dos exames anuais quando o trabalho é exercido neste regime.
Licença parental inicial
Passa a prever-se a obrigatoriedade do gozo de 120 dias de licença parental inicial, que pode ser partilhado entre os progenitores, sem prejuízo do período de licença parental exclusiva da mãe. A este período podem somar-se, em regime de gozo facultativo, 30 dias ou 60 (caso haja partilha em períodos iguais por ambos os progenitores).
Em caso de opção pela licença parental inicial com período adicional de gozo facultativo em regime partilhado em períodos iguais por ambos os progenitores, estes podem acumular o período adicional com trabalho a tempo parcial, com um período normal de trabalho igual a metade do tempo completo.
Em partos antes das 33 semanas de gravidez, ou com internamento da criança imediatamente após o período recomendado de internamento pós-parto, a licença prologa-se pelo período do internamento. O mesmo aplica-se a nascimentos múltiplos, por cada gémeo além do primeiro.
Em situação de internamento hospitalar da criança imediatamente após o período recomendado de internamento pós-parto, quando o parto ocorra até ao final das 33 semanas, acresce todo o período de internamento.
Subsídio parental inicial
Quanto ao valor do subsídio pago durante a licença parental inicial, o anteprojeto de reforma da lei laboral prevê:
- 100% da remuneração de referência na licença de 120 dias;
- 80% da remuneração de referência na licença de 150 dias (120 dias mais 30 dias facultativos);
- 90% da remuneração de referência na licença de 150 dias (120 dias mais 30 dias gozados por cada um dos progenitores ou mais dois períodos de 15 dias igualmente consecutivos);
- 100% da remuneração de referência na licença de 180 dias (120 dias mais 60 dias partilhados em períodos iguais por ambos os progenitores).
Licença parental exclusiva do pai
O pai mantém os 28 dias obrigatórios, mas agora 14 dias têm de ser de gozo consecutivo e imediato ao nascimento. Os restantes 14 dias podem gozar-se de forma consecutiva ou interpolada.
H2 Dispensa para amamentação e aleitação
Limita-se a dispensa para amamentação aos 2 anos de idade da criança, mediante comunicação dessa situação ao empregador e apresentação de atestado médico que a comprove. Para manutenção deste direito, é necessário apresentar ao empregador novo atestado médico de 6 em 6 meses.
No caso de aleitação e desde que ambos os progenitores exerçam atividade profissional, qualquer um deles pode exercer o direito previsto no número anterior, até o filho perfazer 1 ano.
Luto gestacional
O anteprojeto de reforma da lei laboral revoga a norma que garantia à grávida e ao outro progenitor o direito a 3 dias de falta justificados e sem perda de retribuição por luto gestacional. Em substituição, a grávida poderá recorrer à licença por interrupção da gravidez. Já o outro progenitor terá de recorrer ao regime de falta para assistência a membro do agregado familiar, que não prevê qualquer retribuição. Para tal, adita-se como fundamento para este tipo de falta justificada a “interrupção da gravidez”.
Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares
O horário flexível passa a depender de apresentação de proposta de horário pelo trabalhador, que é depois definido pelo empregador, devendo ajustar-se às formas especiais de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, nomeadamente em caso de trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins-de-semana e feriados.
Contrato de trabalho com estudantes em férias escolares ou interrupção letiva
O contrato de trabalho celebrado com estudantes em férias escolares, com duração limitada ao período de férias escolares ou interrupção letiva, não está sujeito a forma escrita e pode ser denunciado a todo o tempo, com 15 dias de aviso prévio.
Período experimental
Revoga-se a norma que permitia um alargamento do período experimental para 180 dias no caso de jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração.
Férias
Os trabalhadores passam a poder faltar justificadamente antes ou depois do início de um período de férias, até ao máximo de 2 dias por ano, ainda que com perda de retribuição, mas sem penalizações noutros benefícios, como subsídio de refeição, de férias ou de Natal, ou na contagem do tempo para a prestação social por desemprego ou pensão de reforma.
Estas faltas devem ser requeridas no prazo de 10 dias sobre a marcação do período de férias e o empregador apenas se pode opor ao seu gozo com fundamento em necessidades imperiosas de funcionamento da empresa.
Subsídios de férias e Natal
P anteprojeto de reforma da lei laboral introduz-se a possibilidade de os trabalhadores voltarem a poder receber os subsídios de férias e de Natal em duodécimos, por sua vontade expressa.
Contrato a termo
O contrato a termo certo passa a ter uma duração inicial mínima de 1 ano e uma duração máxima de 3 anos (termo certo) e 5 anos (termo incerto).
Mantém-se a possibilidade de 3 renovações, mas sem a condicionante de as renovações não poderem exceder o período inicial de duração do contrato;
A contratação a termo resolutivo passa a ser possível para:
- Lançamento de nova atividade de duração incerta ou início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento, nos primeiros dois anos de funcionamento de uma empresa, independentemente da sua dimensão.
- Contratação de trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado, ou que esteja em situação de desemprego de longa ou de muito longa duração;
- Contratação de trabalhador reformado por velhice ou invalidez, determinando que o contrato fica sujeito ao regime de qualquer trabalhador que se reforme durante a vigência da relação laboral;
Alarga-se a possibilidade de contratação em regime de “contrato de muito curta duração sem sujeição a forma escrita” a qualquer ramo de atividade, desde que exista acréscimo excecional de atividade e não se ultrapasse 35 dias por ano. O mesmo aplica-se no caso de empresa que desenvolva atividade sazonal ou de ciclos com interrupção
de atividade no setor agrícola ou do turismo, com duração até 35 dias, não podendo exceder 70 dias de trabalho por ano.
Banco de horas individual
Reintroduz-se o banco de horas individual, por acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora, com limite 2 horas por dia, 50 horas por semana e 150 horas por ano;
Se ao final de 4 meses existir saldo de horas a favor do trabalhador, o total de horas não compensadas é pago em dinheiro.
O banco de horas pode aplicar-se a toda a equipa, se 75% aceitarem e deixa de haver referendo para a sua implementação.
Outsourcing
Revogada norma que proíbe o recurso a serviços externos de outsourcing (trabalho temporário) durante 12 meses após a extinção de postos de trabalho.
Indemnização em substituição de reintegração a pedido do empregador
Introdução de possibilidade legal de oposição do empregador à reintegração, mesmo após declaração judicial da ilicitude do despedimento. Assim, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Direito à greve
Alarga-se o conceito de serviços mínimos obrigatórios a novos setores no âmbito do direito à greve. A saber: serviços de cuidado a crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência; serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais; abastecimento de águas e alimentar.
Estabelece-se ainda a obrigatoriedade da prestação de serviços mínimos indispensáveis, incumbindo à associação sindical que declare a greve ou à comissão de greve a prestação destes serviços;
Quotas de emprego para pessoas com deficiência
Passa a considerar-se trabalhador portador de deficiência aquele que tem uma incapacidade igual ou superior a 33%;
Formação profissional
Estabelece-se que o número de horas de formação profissional a ministrar pelas entidades empregadoras, no caso das microempresas, é reduzido para 20 horas.
Despedimento em micro, pequena e média empresa
No procedimento disciplinar de despedimento por justa causa em micro, pequena ou média empresa, caso o trabalhador não seja membro de comissão de trabalhadores ou representante sindical, passa a dispensar-se a uma fase de instrução.
Despedimento por autodeclaração de doença falsa
A apresentação ao empregador de autodeclaração de doença (baixa de curta duração) com intuito fraudulento passa a constituir falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento, à semelhança do que já acontece com a declaração médica falsa.
Esta baixa não pode ultrapassar os três dias consecutivos, e está limitada a duas utilizações por ano, não havendo lugar ao pagamento de retribuição por parte do empregador.
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